Memórias do Porto já estão no fundo do mar, à espera do século XXII

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O início da operação de afundamento foi atrasado por problemas burocráticos. No mar, tudo se resolveu numa hora e meia adelaide carneiro

Depois de uma primeira tentativa falhada, a bARCA das Memórias foi ontem afundada a cerca de quatro milhas da costa. Aí, 2500 objectos repousarão durante os próximos cem anos, até serem recuperados

Ontem, 22 dias depois de ter falhado a primeira tentativa, as memórias aceitaram o seu destino e foram finalmente ao fundo. Para o efeito, a organização tomou medidas que foram, literalmente, de peso: a operação consistiu em acrescentar quatro poitas de cimento em cada uma das pontas das cápsulas herméticas, somando 2,7 toneladas ao peso total desta "barca", o que, como pretendido, a afundou.

Ao início da manhã, José Carretas, o criador do projecto, estava confiante. "Hoje, a barca vai ao fundo", garantia. O processo, contudo, não estava destinado a ser fácil, já que um atraso com a documentação legal no Porto de Leixões atrasou a saída da frota composta por quatro barcos. Com este atraso, apenas por volta das 12h o comboio marítimo chegou ao local. À mesma hora, melhor sorte tinha o projecto algarvio Ocean Revival, que em poucos minutos, graças a explosivos, já tinha conseguido pôr no fundo do mar uma de duas antigas embarcações da marinha, para alimentar um recife artificial.

No Porto, o recurso à bomba estava fora dos planos. O projecto bARCA das Memórias previa que, depois de coleccionados os objectos e as memórias dos portuenses, a embarcação fosse afundada durante um século. Pretende-se que a barca, composta por duas cápsulas herméticas, fique intacta e pacientemente no fundo do mar à espera que os portuenses de 2112 mergulhem para a repescar e aí descobrirem as memórias dos seus antepassados. Agendado inicialmente para o dia 8 de Outubro, o projecto de afundamento da barca das memórias falhou a sua primeira tentativa, já que, na altura, a barca não teria peso suficiente para submergir.

O local escolhido para a ancoragem das memórias do Porto, explicou José Carretas ao PÚBLICO, foi "aconselhado pela capitania". Ali, a cerca de quatro milhas da costa, as memórias descansarão durante dez décadas, com a cidade do Porto como pano de fundo ao horizonte. Ali, algures no Atlântico, as memórias terão o seu microespaço onde o tempo não corre. Ali, vão aguardar pacientemente, com a certeza de que, no futuro, ajudarão a reconstituir a história do início do século XXI.

Na viagem de regresso à Marina da Afurada, Carretas ostentava um sorriso que denunciava a satisfação pelo sucesso da operação. O criador, orgulhoso pelo sucesso do seu projecto, admite "sentir inveja pelos que daqui a cem anos lá estarão". Na sua opinião, a barca das memórias representa um singular "momento cultural para a cidade do Porto" e lamenta "não ter a oportunidade de observar a reacção das pessoas do futuro perante os 2500 objectos". "Todos os testemunhos que estão na barca dariam uma bela exposição no futuro", aproveita para sugerir José Carretas. Quem sabe se daqui a cem anos os portuenses não acabem por ler, num arquivo, esta edição do PÚBLICO, seguindo esta sugestão.

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