E Lula fez eleger Fernando Haddad, o novo prefeito de São Paulo

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A festa de Fernando Haddad, o candidato que começou a campanha eleitoral em São Paulo com 3% das intenções de voto YASUYOSHI CHIBA/AFP

O candidato do Partido dos Trabalhadores foi uma escolha pessoal do ex-Presidente. Arrancou para a campanha com 3% nas sondagens e domingo foi eleito com 55,5%. Um caso semelhante a Dilma Rousseff

De vermelho, esfuziante, e no alto de um trem eléctrico (camião com som) na Avenida Paulista, Fernando Haddad fala aos seus apoiantes, depois de confirmada a vitória: "Vocês sabem que eu sou o segundo poste do Lula. Tão sabendo disso, né?" E remata: "Tem algum candidato a poste aqui?"

Aconteceu domingo à noite, concluída a segunda volta das municipais brasileiras. Para Haddad, era o desfecho de uma campanha que começou por parecer uma missão impossível. E a sua vitória em São Paulo é a vitória do homem que o escolheu como candidato do PT à maior cidade do Brasil, Lula da Silva.

A ironia do "poste" apareceu durante a campanha de Dilma Rousseff, candidata também escolhida por Lula para a sucessão. Dilma, dizia-se, era um poste, algo sem vida própria. Mas a intuição de Lula provou-se certa: o poste foi eleito para a presidência e só tem crescido de popularidade.

O mesmo se disse de Haddad, quando Lula, contra todas as expectativas, o escolheu. Este paulistano, hoje com 49 anos, tinha sido seu ministro da Educação, e continuou, com Dilma. Mas era uma figura muito menos reconhecida em São Paulo do que Marta Suplicy, a carismática ex-prefeita da cidade. Lula preteriu Marta, insistiu em Haddad. No arranque da campanha, o candidato aparecia com 3% nas sondagens. Depois, ao longo de quase toda a campanha para a primeira volta, não saía do terceiro lugar, atrás de Serra e do homem que chegou a ser favorito, o apresentador de televisão Celso Russomanno.

Lula empenhou-se, fez comícios, declarou que a campanha de Haddad era a mais dura que já travara na cidade. E, mesmo em pleno julgamento do Mensalão - escândalo de corrupção que remonta ao seu governo e que foi invocado pelos rivais de Haddad para o enfraquecer -, o ex-Presidente afirmou o seu capital político. E domingo o PT voltou ao comando de São Paulo.

Descendente de cristãos libaneses, comerciantes de tecidos, Haddad é um "uspiano", o que na gíria paulistana quer dizer um fruto da prestigiada USP (Universidade de São Paulo), onde estudou Direito, fez mestrado em Economia e doutoramento em Filosofia, com uma tese sobre Marx e Habermas. Académico, professor de Ciência Política, começou a militância logo nos primeiros tempos de licenciatura. A sua chegada a Brasília deu-se em 2003, pela mão de Guido Mantega, actual ministro da Fazenda de Dilma, e então ministro do Planeamento de Lula. Em 2006 tornou-se ministro da Educação, cargo que só abandonou para se dedicar à campanha para prefeito.

Ontem, em Brasília, na sua primeira reunião com a Presidente depois de ser eleito, Haddad disse que o apoio dela e de Lula tinham sido "fundamentais" para ganhar a prefeitura. Sobre Lula acrescentou: "É um conselheiro de todos nós."

Quanto ao encontro com Dilma, explicou: "Vim agradecer todo o seu empenho, a sua amizade e o seu carinho, mas já estabelecer com ela uma rotina de trabalho. Foi uma conversa de agradecimento, mas já endereçamos alguns assuntos importantes para a cidade. A Presidente conhece o meu estilo de trabalho, trabalhamos juntos como ministros e depois fui seu ministro." Um dos temas centrais na relação entre ambos será a dívida da cidade de São Paulo, cerca de 22 mil milhões de euros.

Haddad disse que pretende estabelecer "uma transição de alto nível" com o prefeito a que vai suceder, Gilberto Kassab, apoiante de José Serra, e que pretende criar uma relação semelhante com o governo federal. "Passei por dois ministérios, Planejamento e Educação. Conhecer como a máquina federal funciona poderá ser muito proveitoso."

Quem apareceu para celebrar a vitória de Haddad foi o mais polémico dos seus apoiantes, o ex-governador Paulo Maluf, várias vezes acusado de corrupção, e actualmente procurado pela Interpol por fraude e lavagem de dinheiro.

Maluf faz hoje parte da pragmática coligação de poder que sustenta o governo Dilma, herança das alianças feitas por Lula. E, durante a campanha, para fortalecer as chances de Haddad como candidato, Lula não hesitou em promover um aperto de mão entre ambos, mostrando como Maluf apoiava Haddad. Para muitos pêtistas históricos, a fotografia foi uma afronta. E teve outros custos: a deputada Luiza Erundina (PSB) desistiu de ser candidata a vice-prefeita com Haddad. Marta Suplicy, que agora é ministra da Cultura de Dilma, recusou-se a entrar em comícios em que Maluf estivesse presente.

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