Educando Gaspar

Suprema ironia: a gratuitidade da educação que o estado ofereceu a Gaspar redunda na impossibilidade objectiva de prosseguimento de estudos para milhares de outros

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Miguel Manso

A educação de Gaspar deve ter sido preciosa porque está a sair cara ao país... O argumento do governante é conhecido e pretende neutralizar as críticas de uma orientação ideológica vincada nas opções do dono do primeiro-ministro (algo semelhante, de certo modo, à relação que existia entre o Marquês de Pombal, na verdade o senhor de facto do soberano de "jure", D. José I). Nada de particular orienta o ministro todo poderoso, tão-só um exercício ritual de contra-dádiva: o país ofereceu-lhe uma educação cara e longa, Gaspar devolve com humildade e serviço público.

Insinua-se pois, de soslaio, que poderia estar a ganhar muito mais, a maçar-se bem menos, em vez do fardo que carrega: endireitar um país de improdutivos e gastadores. Para um novato nas lides do discurso dominante, Gaspar aprendeu depressa, embora Portugal possua alguns mestres requintados, como o professor Oliveira Salazar, para quem décadas de poder ditatorial mais não eram do que uma missão altruísta e um chamamento do divino.

A pátria primeiro, eis o que Gaspar proclama. Mas a pátria é um conceito mole: nela cabe tudo, um pouco como a manifestação de 15 de Setembro, de que o ministro até gostou, a ponto de considerar que os portugueses são o melhor povo do mundo (educados, tranquilos, ordeiros, saem à rua mansamente, levando as fúrias pela trela). O bom povo português, outro dos mitos fundadores da dominação em busca de consentimento.

O mais paradoxal de tudo isto é que a dedicação de Gaspar a um país que lhe pagou a educação está a custar o desemprego a muita gente, o empobrecimento de grandes franjas da população e a impossibilidade de muitos e muitas continuarem os seus estudos, como quotidianamente constato na minha faculdade. Suprema ironia: a gratuitidade da educação que o estado ofereceu a Gaspar redunda na impossibilidade objectiva de prosseguimento de estudos para milhares de outros. Além de que não é muito educado cortar no apoio à doença ou até no subsídio de funeral.

Mas tenho uma secreta esperança, baseada em algo que os cientistas sociais há muito sabem: a educação é permanente. Por isso, há que educar Gaspar. Urgentemente.

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