Prémio Sakharov para os iranianos Jafar Panahi e Nasrin Sotoudeh

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O Parlamento Europeu distinguiu dois iranianos que "resistem à intimidação" Atta Kenare/Arash Ashourinia/AFP

O Parlamento Europeu atribuiu o Prémio Sakharov dos Direitos Humanos ao cineasta iraniano Jafar Panahi e à sua compatriota Nasrin Sotoudeh, advogada e activista dos direitos humanos.

Os dois opositores ao regime iraniano foram presos em 2010, Panahi em Março e Sotoudeh em Setembro, na vaga de detenções que se seguiu aos protestos contra a reeleição do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, no ano anterior.

Os dois dissidentes constavam da lista final de candidatos ao prestigiado prémio, de que faziam também parte outros activistas igualmente detidos: as três jovens russas do grupo "punk" Pussy Riot, condenadas a dois anos de prisão por terem entrado numa igreja ortodoxa para um concerto de protesto contra o Presidente Vladimir Putin; e o dissidente bielorruso Ales Beliatski, fundador de uma organização que apoia prisioneiros políticos na Rússia.

"Quisemos exprimir a nossa admiração por uma mulher e um homem que resistem à intimidação de que são vítimas pelas autoridades iranianas", explicou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz. O eurodeputado social-democrata alemão sublinhou que o prémio deve ser interpretado como um "não muito claro ao regime iraniano" que "não respeita nenhuma das liberdades fundamentais"

Panahi, a filmar em casa
Jafar Panahi, que no ano passado foi condenado pelo tribunal iraniano a seis anos de prisão por "actividades contra a segurança nacional", ficou proibido de realizar filmes durante 20 anos, uma sentença que despertou a solidariedade do mundo do cinema.

O Festival de Cannes homenageou-o em 2011 e, em sinal de protesto a sua cadeira foi deixada simbolicamente vazia no momento da apresentação do júri internacional, para o qual tinha sido convidado.

Jafar Panahi tornou-se conhecido fora do seu país com o filme “O Balão Branco” (1995), exibido no Festival de Cannes, tendo depois sido distinguido com o Leão de Ouro de Veneza por “O Círculo” (2000).

Sempre crítico do regime iraniano, o realizador foi acusado em Março de 2010 de “planear” um filme sobre as manifestações e preso em Evin, a infame prisão de Teerão que se tornou destino de milhares de presos políticos nas últimas décadas. Entretanto libertado, Panahi seria novamente acusado em Dezembro desse ano.

Recorreu e aguardou a decisão em prisão domiciliária, até que saiu a decisão final: 20 anos.

A proibição de filmar não impediu que Panahi “contasse” um filme em sua casa em “Isto não é um filme”. Usando um tapete como maqueta, o realizador desenhou um cenário imaginário construindo um filme onde consegue demonstrar o poder do cinema contra a repressão e liberdade de expressão, não apenas no Irão como em qualquer outra parte do mundo.

Este mês, o realizador Abbas Kiarostami fez saber que Jafar Panahi continua a trabalhar e um novo filme deverá ser apresentado no próximo ano.

Defesa dos direitos humanos
Nasrin Sotoudeh, de 47 anos, foi durante anos uma das vozes mais temerárias na denúncia dos abusos dos direitos humanos cometidos pela República Islâmica. Advogada e amiga de Shirin Ebadi, Nobel da Paz em 2003, Sotoudeh pertencia ao Centro de Defesa dos Direitos Humanos que ela fundou para defender mulheres, opositores políticos e minorias no Irão.

Mãe de duas crianças, Sotoudeh bateu-se durante vários anos para que lhe fosse reconhecido o direito a exercer advocacia, a que poucas mulheres têm acesso no Irão. Quando o conseguiu, em 2000, tornou-se reputada por defender jovens condenados à morte por ilícitos cometidos quando ainda eram menores – um das práticas judiciais de Teerão que maior condenação tem gerado das organizações internacionais.

Depois da “Revolução Verde” (como ficaram conhecidas as manifestações contra a reeleição de Ahmadinejad, as maiores desde a Revolução Islâmica), Sotoudeh representou em tribunal muitos dos opositores presos na ressaca dos protestos, incluindo advogados e activistas. Mas em Março de 2010, acabaria também ela por ser detida. “Pisou o risco” da escassa tolerância oficial ao dar entrevistas a jornalistas ocidentais em que denunciou a repressão vivida no país desde as presidenciais de 2009.

Levada para Evin, onde anos antes Shirin Ebadi esteve presa, a advogada manteve aí o seu combate, tendo feito duas greves de fome para denunciar as condições em que estava detida, incluindo a proibição de ver os seus dois filhos, de três e 11 anos. Em Janeiro do ano passado, foi condenada a 11 anos de prisão e a 20 de proibição de exercer advocacia por “acções contra a segurança nacional e propaganda contra o regime”, crimes que tantas vezes contestou quando defendia opositores políticos nos tribunais. Meses depois, um recurso reduziu a pena para seis anos, recorda a Amnistia Internacional que desde então faz campanha para a libertação desta “prisioneira de opinião”.

Em 2011, a recompensa da Primavera Árabe
O Sakharov recompensa anualmente figuras que se tenham destacado na defesa dos direitos humanos e da democracia. A cerimónia de entrega está agendada para 12 de Dezembro, em Estrasburgo, mas nenhum dos dois laureados deverá comparecer.

No ano passado, o Sakharov premiou a Primavera Árabe: a egípcia Asmaa Mahfouz, o rosto jovem dos ciberactivistas do país, o líbio Ahmed al-Sanussi, mais conhecido por ser o prisioneiro de consciência que mais tempo passou nas prisões de Khadafi (31 anos), a advogada e defensora dos direitos humanos síria Razan Zaitouneh e o cartoonista também sírio Ali Farzat.

Na cerimónia estiveram apenas a jovem Asmaa Mahfouz e o veterano Ahmed al-Sanussi, já os activistas sírios não viajaram até Estrasburgo: Ela estava escondida na Síria, ele não conseguiu comparecer; não explicou por que motivo. O prémio foi dado ainda, a título póstumo, ao tunisino Mohamed Bouaziz, que com a sua morte por imolação despertou a onda de protestos que ficou conhecida como a Primavera Árabe.

Notícia actualizada às 12h07

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