Este jogo não é para velhos

James Bond continua relevante? A resposta é retumbantemente positiva, mesmo que implique mostrar o Bond mais frágil de sempre

A questão que se tem colocado à sobrevivência da série James Bond, desde que os anos 1980 e a emergência dos blockbusters à americana a colocaram em risco, tem sido a mesma: como é que se mantém relevante uma personagem criada num mundo diferente daquele em que vivemos, como é que se reinventa o franchise para uma geração de novos espectadores sem alienar os que cresceram com ela? Skyfall é a mais recente resposta a essa dúvida, na sequência da refundação do agente secreto de Ian Fleming sob os traços de Daniel Craig no excelente 007 Casino Royale (2006). Aí, Martin Campbell construía um “regresso às origens” que eliminava a vertente paródica adquirida com o tempo, em nome de um realismo angular e sórdido que melhor reflectia a necessidade de repensar a personagem para um momento onde a espionagem tal como a entendíamos nos tempos áureos de 007 se via obrigada a repensar a sua razão de ser.


Depois do passo em falso de Marc Forster no descartável 007 Quantum of Solace (2008), os guardiões do franchise recrutaram Sam Mendes para devolver as cartas de nobreza à personagem. E, noblesse oblige, 007 Skyfall consegue jogar habilmente nos dois tabuleiros que Campbell introduziu. De um lado, o filme de acção tenso, com direito a três cenas de antologia (um combate corpo a corpo num arranha-céus transparente de Xangai, uma perseguição no metro londrino e o final numa propriedade rural escocesa) que entram para o rol dos grandes momentos da série. Do outro, o drama sério e atento sobre o papel de um espião que começa a sentir o peso dos anos e dos serviços secretos treinados numa outra era nos dias que correm - e não é por acaso que se sente um sub-texto de tragédia grega na história que Skyfall conta, com Bond a lutar para impedir que as identidades dos agentes secretos britânicos em todo o mundo sejam reveladas por um misterioso ciber-criminoso que parece ter contas a ajustar com M, a chefe do MI6.

É como se os pecados dos pais houvessem sido transmitidos aos filhos e estes, desajustados de um tempo que já nada tem a ver com aquele em que cresceram, não soubessem como encarar este admirável mundo novo. É um sub-texto que se torna no próprio motor do filme: o conflito entre os novos e os velhos tempos, pois, como se diz às tantas no diálogo que introduz o novo “homem das engenhocas” Q (Ben Whishaw) “a idade não é garantia de eficiência” e “a juventude não é sinónimo de inovação”.

É nesse meio termo que 007 Skyfall se consegue equilibrar, devido à inteligência de Sam Mendes deixar o ritmo ser ditado pelos seus actores: Judi Dench, uma M imperial, assume um papel central na narrativa, “puxando” Craig para criar o Bond mais vulnerável de sempre, e “resolvendo” o filme numa extraordinária meia hora final com o seu quê de western britânico, que funciona ao mesmo tempo como fecho de um ciclo e abertura de um novo, num regresso às origens não apenas metafórico mas também efectivo que admite as tréguas possíveis entre o classicismo e a modernidade.

A única nota falsa é mesmo o mau da fita. Não por culpa de um inquietante Javier Bardem, inexcedível como sempre, mas porque o seu ciber-vilão traumatizado, grandiloquente e psicótico (com sugestões do assassino que lhe valeu o Óscar por Este País Não É para Velhos) parece desajustado do realismo eficaz do resto do filme, sugere um Bond dos “velhos tempos” que este, claramente, não é nem quer ser. Antes um Bond dos nossos dias que procura equilibrar a herança britânica da personagem com o mundo globalizado em que vivemos, que deixa para trás o escapismo fantasista mas também não cai na armadilha de ir atrás do “que está a dar”. 007 Skyfall é o shot de adrenalina de que James Bond precisava.

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