Governo recua no corte salarial aos gestores de entidades reguladoras

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Banco central (dirigido por Carlos Costa) e a ERC ficam fora da nova lei JORGE MIGUEL GONÇALVES/NFACTOS

Nova versão da lei-quadro dos supervisores elimina equiparação ao vencimento do primeiro-ministro e cria comissão para fixar valor dos salários. Proibição de exercer actividades de docência também vai ser revista

A intenção de equiparar os salários dos gestores de entidades reguladoras ao vencimento do primeiro-ministro caiu por terra. Uma nova versão da lei-quadro dos supervisores, que o Governo está a ultimar, elimina esta regra, substituindo-a pela criação de comissões que vão ficar responsáveis por determinar a remuneração a pagar a cada administração.

Ao contrário do que tinha sido decidido inicialmente, deixará de haver um limite nos salários a pagar pelos reguladores, como aconteceria com a equiparação a Passos Coelho, que aufere 6850,24 euros líquidos por mês. E, com este abandono, deixa de ser certo que haverá reduções remuneratórias, ao contrário do que estava previsto, uma vez que muitos dos presidentes destas entidades ganham mais do que o primeiro-ministro.

A comissão de vencimentos foi a alternativa encontrada, fruto da pressão exercida por alguns supervisores e do entendimento, por parte do Governo, de que esse tecto remuneratório poderia dificultar a contratação de gestores, face às remunerações praticadas nos sectores que fiscalizam.

Na nova versão da lei-quadro, a que o PÚBLICO teve acesso, refere-se que haverá uma comissão de vencimentos para cada regulador, composta por três membros: um indicado pelas Finanças, outro pelo ministério que tutela a entidade e um terceiro nomeado, em conjunto, pelos dois ministérios. O salário será definido em função da "dimensão, complexidade, exigência e responsabilidade" e terá em conta "as práticas habituais de mercado no sector de actividade" que é supervisionado.

Além desta alteração, também deverá ser revisto o artigo que impossibilita os gestores de exercerem funções de docência ou de investigação. O PÚBLICO apurou que a regra, que ainda consta nesta versão da lei-quadro mas está a ser muito contestada, será eliminada, mantendo-se apenas a proibição de trabalhar em órgãos de soberania ou para empresas que operem no sector supervisionado.

Será também mantida, como o PÚBLICO noticiou em Julho, a proibição de trabalhar no sector durante um período de dois anos, havendo lugar a uma compensação no valor de 50% do salário neste período, enquanto os gestores não desempenharem qualquer actividade remunerada. Em caso de incumprimento, terão de devolver o dobro de todos os salários que ganharam enquanto administradores da entidade reguladora.

Braço-de-ferro no Governo

Já a nomeação dos conselhos de administração, que passarão a ter um limite máximo de cinco membros, vai passar obrigatoriamente pela Assembleia da República, auscultada antes de a designação ser feita em Conselho de Ministros. A decisão será acompanhada por um parecer da Comissão de Recrutamento e Selecção da Administração Pública (CRESAP), que será obrigatório, mas não vinculativo.

O mandato destes administradores terá a duração de seis anos, para não coincidir com os calendários políticos, e não será renovável, refere o documento, que resulta de um estudo encomendado ao Governo à consultora A.T. Kearney. Esta lei-quadro constava no programa do Governo e é um dos compromissos firmados com a troika, que deu até ao final do ano para concluir a tarefa de reforçar os poderes dos reguladores.

Mas o diploma só ficará fechado depois de ultrapassadas as diferenças entre os ministérios das Finanças e da Economia, que têm entrado em conflito em relação a pontos importantes. É o caso da transferência para o Estado dos saldos remanescentes dos supervisores, que não resultarem de receitas próprias, e da aplicação da unidade de tesouraria, passando a ter as contas sob gestão do IGCP. Medidas das quais a tutela de Álvaro Santos Pereira discorda.

Além disso, e apesar de o diploma ter como principal objectivo o reforço da independência destas entidades, tem havido contestação porque dá mais poderes às duas tutelas, nomeadamente no que diz respeito à aprovação dos planos de actividades e dos orçamentos. "A falta de autorização prévia ou de aprovação determina a ineficácia dos actos sujeitos a aprovação", lê-se no documento.

BdP e ERC de fora

A versão ao que o PÚBLICO teve acesso deixa de fora o Banco de Portugal (BdP) e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), não se aplicando nenhuma das regras a estas entidades. No caso do banco central, a mesma opção tem vindo a ser tomada no que diz respeito às reduções remuneratórias no Estado, com o argumento de que responde ao euro-sistema e não pode ficar condicionado por legislação nacional.

Serão, por isso, nove os supervisores que terão de seguir a nova lei-quadro, mais do que inicialmente previsto. Isto porque o Governo também recuou na intenção de fundir o Instituto Nacional da Aviação Civil com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, tendo optado apenas por reestruturá-los, como refere o documento, sem clarificar como.

Este grupo de reguladores terá 30 dias após a entrada em vigor do diploma para adaptar os estatutos às novas regras. A orgânica da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, publicada em Setembro, incorpora já algumas destas orientações.

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