Equilíbrios perdidos

A confiança desapareceu do sistema financeiro e está a desaparecer do sistema político

Não é novidade para ninguém. Numa Europa bloqueada, a ausência de respostas políticas adequadas e a impotência dos governos nacionais somam-se aos efeitos devastadores da austeridade sobre a economia, o tecido social e as pessoas. E tudo isto pode conduzir, mais depressa do que se pensa, a uma crise grave do sistema político e da confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. Essa crise de confiança, de resto, já está instalada. Em Espanha, as eleições autonómicas para o País Basco e a Galiza decorrem com os dois grandes partidos nacionais, PP e PSOE, em queda abrupta nas sondagens. Trata-se da negação da alternância: perante o descalabro dos populares de Mariano Rajoy, no poder, os socialistas de Gonzalo Rubalcalba também estão em queda. O centro político sobre o qual a democracia espanhola assenta está a afundar-se. Em Portugal, os sinais ainda não vão nesse sentido. Nas eleições regionais açorianas do passado fim-de-semana, os socialistas tiraram as castanhas do lume e aproveitaram o desgaste de sociais-democratas e centristas para garantirem uma nova maioria absoluta. E, nas sondagens nacionais, sente-se a quebra dos partidos no poder mas não do partido da alternância. Mas não vale a pena confiar muito nestes indicadores. É preciso lembrar que, num inquérito de opinião recente, 87% dos portugueses diziam já não confiar na democracia. Essa desconfiança estende-se hoje à União Europeia, que deixou de ser vista como um pólo de esperança e passou a ser encarada como a fonte de um empobrecimento imposto de cima.

Soluções? Não há. Era preciso que o combate a esta crise sem precedente fosse acompanhado de reformas reais do sistema político que garantissem uma maior participação democrática dos cidadãos, uma transformação dos partidos políticos e uma maior transparência dos processos de governação. Ora o que está a acontecer é que, à medida que a crise se agrava, os cidadãos estão cada vez mais distantes do sistema político e o sistema político está cada vez mais opaco. Com a UE incapaz de criar um modelo de governança que lhe permita enfrentar eficazmente a crise, o sentimento de impotência dos cidadãos cresce, na medida em que deixam de ver os partidos nacionais como capazes de apresentar soluções próprias para a crise. A UE vive imersa num paradoxo democrático: as decisões que afectam toda a zona euro estão agora dependentes de um ano de campanha eleitoral num só país, a Alemanha.

Tudo nesta crise podia ser resumida a uma palavra: confiança. Ela desapareceu do sistema financeiro e está a desaparecer do sistema político. Aquilo a que estamos a assistir é a uma destruição dos equilíbrios construídos ao longo de décadas. O imobilismo e a incapacidade de responder à crise a nível da UE terão consequências graves nos países em crise e, necessariamente, no todo europeu.

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