Carta aberta à minha geração

Falta-nos espírito colectivo, cívico, participativo e empreendedor. Quantos de nós fundámos associações ou empresas? Quantos de nós se interessaram pelas questões urbanísticas e ambientais? Quantos de nós interviemos a nível partidário?

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Alatryste/Flickr

A todos os que nasceram depois de 1974:

  

Nascemos depois da flor dada, do cravo posto na espingarda, dos soldados e do povo na rua. Nascemos depois da guerra e da luta. Depois dos sonhos e da ilusão de muita gente que acreditava num devir melhor. Nascemos depois de uma democracia instituída e em construção. Crescemos com progresso e com esperança. Mas será que prestámos atenção?

 


O universo, eu sei, rege-se pela lei do menor esforço, da poupança de energia. Ninguém escapa a isso. Mas a nossa inteligência tem que ser capaz de ir mais além e, aprendendo com a história, prevenir os problemas para construir um futuro melhor…

 


Somos da geração que viu Portugal a florescer: a democracia, o crescimento económico, as novas empresas, o emprego, a educação e a formação, as universidades, as cidades, as auto-estradas... Mas como nascemos sem ditadura e sem guerra, nunca verdadeiramente nos preocupámos com o que mais interessa! Por isso tantos de nós não votaram, não participaram, não disseram, não pensaram... Porque cansa pensar, porque cansa reunir, porque cansa discutir, porque cansa organizar.

 


A verdade é que a nossa geração não tem uma boa cultura cívico-participativa e foi-se deixando enlear nas teias do conformismo e da alienação. E os poucos que se movimentaram, muitos fizeram-no pelas más razões: o carreirismo pessoal acéfalo e despido de conteúdo ideológico! Vejam as associações e federações académicas que, de instituições de elite (intelectual e política) antes do 25 de Abril, se converteram em ninhos de oportunistas e corruptos com passaporte para as juventudes partidárias… Vejam as próprias juventudes partidárias onde a irreverência e o pensamento independe e crítico, em vez de valorizados, são penalizados e os seus praticantes ostracizados. Ao contrário, o seguidismo e o espírito de subserviência sempre foram os passaportes para os lugares elegíveis nas malfadadas listas partidárias...

 


Falta-nos espírito colectivo, cívico, participativo e empreendedor. Quantos de nós fundámos associações ou empresas? Quantos de nós se interessaram pelas questões urbanísticas e ambientais? Quantos de nós interviemos a nível partidário? Quantos de nós lutam a nível laboral ou em prol dos direitos do consumidor? Quantos discutem política? Muitos de nós nem sequer votam, para a Assembleia, para as Câmaras, nos referendos ou para o parlamento europeu (utilizando o discurso fácil e débil de que os políticos são todos iguais...). A maioria da nossa geração andou entretida em festivais de verão, em bares e discotecas (onde a música, a droga e o álcool ocupam o lugar do pensamento), em consumo desenfreado em centros comerciais (dos gadgets de última geração ao último grito na moda de roupa e acessórios) e colados à net, consolas ou computadores olhando para vídeos idiotas ou jogos imbecilizantes...

 


Só as crises recentes, a precariedade e o desemprego nos têm posto mais alerta e mais despertos para os problemas colectivos que a todos (a nível individual) nos afectam. Têm surgido (muito através das redes sociais online) movimentos cívicos de protesto (geração à rasca, precários inflexíveis, indignados, 15 de Setembro, etc.). Mas isso só não chega... É chegado o tempo da nova construção! A verdade é que temos que dar muito mais de nós, temos que ser mais exigentes com a nossa geração e não nos limitarmos a queixar da geração anterior que possa ter sido corrupta e má gestora...

 


Afinal, de que nos serve termos muito mais formação e informação que as gerações que nos precederam? As ferramentas adicionais que adquirimos têm que nos servir para sermos mais capazes de intervir sobre a sociedade a todos os níveis (económico, social, político e cultural). Temos que ser mais capazes de pensar pelas nossas cabeças, encontrar novos equilíbrios sociais e propor soluções criativas, inovadoras e eficazes! O futuro de Portugal depende de nós, da nossa capacidade de criação, inovação e intervenção. No fundo, a verdadeira alternativa somos nós! Cumpramos, então!

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