"Vamos propor a compra de 60% a 80% da SAD do Belenenses"

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helena colaco salazar

Rui Pedro Soares quer gerir o futebol do clube e propõe um modelo de gestão "inovador". Após um longo período de silêncio, o ex-administrador da Taguspark e da PT garante que vai processar o Correio da Manhã

Rui Pedro Soares garante que pagou apenas 175 mil euros a Luís Figo para o ex-jogador promover a imagem da Taguspark, quando era administrador não-executivo do pólo tecnológico de Oeiras. Rejeita ainda qualquer envolvimento no caso "Face Oculta", considerando que foi vítima de um julgamento público. Três anos depois do "vendaval" mediático, o ex-administrador da PT procura no futebol um novo rumo para a sua carreira profissional. Depois de um fundo de jogadores, o futebol do Belenenses será o passo seguinte.

É com alguma surpresa que se assiste à sua entrada no mundo do futebol. É um sector atractivo para um empresário?

O futebol, ao nível das exportações, deve ter uma importância superior ao vinho do Porto. Sim, é atractivo e é um dos negócios viáveis na actual conjuntura económica. Até porque a receita não está em Portugal, mas no estrangeiro, nos clubes com poder de compra.

Começou por presidir a uma sociedade que gere um fundo de jogadores e agora vai comprar a maioria do capital da SAD (Sociedade Anónima Desportiva) do Belenenses...

Numa primeira fase, estudámos o Portimonense, o Boavista e o Belenenses, sem abordar nenhum dos clubes. E no Verão de 2011 decidimos não investir em nenhum. Em Janeiro de 2012, optámos por investir na compra de direitos económicos de jogadores portugueses, de preferência internacionais, jovens e que pudessem vir a participar na Liga portuguesa. O objectivo seria atrair o interesse de clubes estrangeiros e promover as suas transferências. Fomos bem-sucedidos. Só em Janeiro deste ano é que começámos a estudar uma entrada no capital da SAD do Belenenses.

Será através da Codecity Players Investment [sociedade que gere um fundo de jogadores, presidida por Rui Pedro Soares] que irá entrar no capital da SAD?

Não. Será constituída outra empresa e ainda estamos a estudar os pormenores. Mas não queremos misturar a propriedade da SAD de um clube com uma outra, numa sociedade que gere os direitos económicos de jogadores que estão contratualmente em outras equipas. A Codecity Players Investments é uma sociedade portuguesa. Eu e o meu irmão [Carlos Soares] detemos 30% do seu capital e há algum capital espanhol, que representa cerca de 45%. O restante é português.

Já disse que os negócios têm corrido bem...

Sim. Exemplo disso foi a transferência de Yohan Tavares [defesa luso-francês] do Beira-Mar para o Standard de Liège da Bélgica, durante o Verão, que representou uma mais-valia de 34%. Outro jogador que representamos e que tem despertado muito interesse é Abel Camará [avançado luso-guineense de 22 anos], também no Beira-Mar.

Têm jogadores no Belenenses?

Não temos direitos económicos em nenhum dos passes dos jogadores que estão actualmente no plantel. Estamos até a desinvestir do fundo de jogadores. Vamos vender os direitos económicos dos passes dos seis jogadores que ainda detemos para reinvestir no Belenenses.

Que percentagem da SAD do Belenenses querem adquirir?

Vamos propor uma participação entre 60% e 80% do capital social, em conjunto com o clube, através de uma operação-harmónio [na qual uma empresa reduz parte do seu capital para cobrir prejuízos acumulados, aumentando-o depois pela emissão de novas acções].

Conhece bem as contas do Belenenses?

As contas são públicas e os credores estão identificados. A situação financeira da SAD obriga-nos a ser rápidos. É um desafio de gestão extraordinário. A SAD tem resultados transitados negativos de 13 ou 14 milhões de euros.

Que modelo de gestão vão apresentar?

O modelo que vamos apresentar aos sócios [para ser aprovado em assembleia geral] é inovador e não pretende viver da venda de jogadores e das respectivas receitas extraordinárias. Está mais próximo dos modelos praticados no futebol alemão e francês, em que as receitas correntes têm de fazer face às despesas correntes e o que for um resultado extraordinário será considerado como tal. Isto a prazo, já que, numa primeira fase, as receitas extraordinárias serão necessárias para fazer face a um passivo de oito milhões de euros. Há muito risco neste investimento.

Qual será o montante do investimento?

No imediato, temos de injectar na SAD cerca de um milhão de euros, para fazer face às despesas correntes e a algumas dívidas que ameaçam o futebol do clube a curtíssimo prazo. Dentro de algum tempo, a FIFA irá determinar o pagamento de uma dívida a um clube brasileiro, que irá variar entre os 270 mil e os 446 mil euros. O não-cumprimento desta deliberação implicará sanções e colocará em causa a participação nas competições profissionais.

A que se refere essa dívida?

Isso é o mais difícil de entender, pois é referente à transferência de um terceiro guarda-redes. Um jogador brasileiro, chamado Tiago Schmidt [o passe foi adquirido ao Avaí, de Florianópolis, na temporada 2007-08]. Acho que nunca chegou a jogar.

É verdade que ajudou a SAD do Belenenses a cumprir os pressupostos financeiros para competir esta temporada?

Não.

Mas comprou dívidas do futebol do clube e patrocinou algumas transferências.

A importância da ajuda que demos, a pedido do presidente do Belenenses [António Soares], só o próprio poderá avaliar. Nós limitámo-nos a fazer o que nos foi pedido e o que nos foi possível. O nosso fundo de jogadores interessou-se por dois atletas do Belenenses, o Abel Camará [actualmente no Beira-Mar] e o André Pires [Sp. Braga]. Ambos estavam a seis meses de terminar contrato e contactei o presidente do clube, que não conhecia até então. Negociámos os seus passes pelo telefone. Só mais tarde nos encontrámos para validarmos o negócio. Ele perguntou se estaríamos interessados em investir na SAD. Na altura, disse que não, que a achava inviável.

Entretanto, mudou de ideias e até comprou uma dívida do Belenenses, de 245 mil euros, a um clube finlandês [Turun Palloseura].

É verdade. Originalmente a dívida era desse valor, mas nós conseguimos comprá-la por 35 mil e será esse valor que será cobrado ao Belenenses, sendo os restantes 210 mil euros perdoados.

O sucesso do seu plano passa pela promoção à Liga principal já esta temporada?

Um clube na II Liga não é viável. Neste momento, o nosso grande objectivo é sobreviver e só depois subir de divisão, que poderá implicar receitas na ordem dos quatro milhões de euros.

Quanto rendem actualmente os direitos televisivos?

O Belenenses tem contrato com a PPTV [empresa controlada pela Olivedesportos, de Joaquim Oliveira] até 2022. Na II Liga o clube recebe aproximadamente 300 mil euros por temporada, mas uma parte importante acaba por estar penhorada por dívidas do passado. Se estivéssemos na Liga principal, o valor a receber seria de dois milhões de euros por época.

Se o seu plano for aceite pelos sócios, irá presidir à SAD?

Não. De qualquer maneira, ainda não está discutida a questão da futura governance.

A "nova" SAD será cotada em bolsa?

Não. O negócio do futebol é um negócio a longo prazo e, sendo assim, não faz sentido estar em bolsa. Só devem estar em bolsa as sociedades que remunerem os seus accionistas numa base anual e não é isso que se verifica no futebol português ou que irá verificar-se no Belenenses. Até se pagarem as dívidas acumuladas, não se distribuem dividendos.

Foi consultado sobre a escolha do actual treinador, Mitchell van der Gaag?

O que lhe posso dizer é que o Belenenses tem hoje o treinador ideal para os seus objectivos e espero que se mantenha por muitos anos. Se a assembleia geral aprovar a nossa entrada na SAD, a nossa vontade é propor um contrato por seis anos ao Mitchell.

Os terrenos do Belenenses vão manter-se no clube, ou seja, vão continuar fora da SAD?

Sim, não queremos ter nada a ver com os terrenos. Em relação a isso, a única coisa que consta na nossa proposta é que gostaríamos de ter um centro de estágio no Restelo.

É simpatizante do FC Porto e sempre foi adepto de futebol.

Sim, joguei futebol no FC Porto [camadas jovens], com o Sá Pinto e o Rui Jorge. Antes do fundo de jogadores, ajudou a fundar uma empresa [Worldcom] que comprou os direitos televisivos da Liga espanhola [no final de 2010], acabando por a vender pouco tempo depois a Miguel Pais do Amaral. O que aconteceu?

Deixei de seguir esse negócio a partir do momento em que a empresa foi vendida a Pais do Amaral. Foi o meu irmão [Carlos Soares] quem conduziu o processo. Ele teve uma reunião com a Mediapro, que tinha os direitos televisivos da Liga espanhola, no dia 22 de Dezembro [de 2010], em Barcelona. Nesse dia, eles colocaram a hipótese de comprar os direitos da Liga espanhola desde que o negócio fosse realizado até dia 31 de Dezembro. No dia 23 de Dezembro, ele voltou e formalizou o negócio. Era um activo importante e não seria por falta de interessados que deixaria de ser vendido.

Mas compraram os direitos por uma soma bem mais elevada do que a que era paga pela Sport TV. Fala-se em 12 milhões de euros, três vezes mais...

Não é verdade.

Quando entra em cena Miguel Pais do Amaral?

Sobre esse negócio é melhor falar com o meu irmão, mas a ideia que tenho é que o eng. Pais do Amaral foi sempre o comprador daqueles direitos. Sempre.

Estava atrás da vossa empresa?

Atrás ou à frente. Foi sempre ele o comprador natural dos direitos, independentemente de ter sido o meu irmão a negociar.

Promoveu contactos entre Pais do Amaral e Luís Filipe Vieira [presidente do Benfica] para a compra dos direitos televisivos dos jogos do Benfica?

Acho que esse assunto já acabou.

Com a saída de cena de Pais do Amaral, o Benfica está agora condenado a negociar com Joaquim Oliveira?

Acho que o Benfica tem uma televisão [Benfica TV] e pode decidir explorar os seus jogos neste canal. Têm uma posição negocial ainda forte e também é necessário analisar quais serão as perdas da Sport TV se não transmitir os jogos do Benfica. Neste momento, nem sei se há negociações.

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