Comentário de Ricardo Garcia: à procura de um culpado

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Imagem do navio a 14 de Novembro de 2002 Miguel Vidal/Reuters

As marés negras normalmente desencadeiam uma sequência padronizada de comoções: primeiro o susto, depois a raiva, o drama da limpeza, as reformas legais e, por fim, os julgamentos.

A saga do petroleiro Prestige - que se afundou há dez anos ao largo da Galiza deixando um enorme rasto de poluição - entra agora no último destes momentos.

O que algumas organizações não-governamentais espanholas perguntam é por que não estão sentados no banco dos réus altos responsáveis políticos ou das empresas ligadas à fatídica viagem do Prestige.

Nem sempre é assim. Alguns dos principais acidentes de poluição marítima levaram grandes empresas à barra do tribunal. A petrolífera Exxon enfrentou longas batalhas desde a maré negra do Exxon Valdez, em 1989, no Alasca, tendo sido condenada a pagar elevadas indemnizações. Há pouco mais de duas semanas, a francesa Total viu confirmada uma sentença pelo acidente com o Erika, em 1999, condenando-a por negligência e obrigando-a a pagar 200 milhões de euros pelos danos causados. Nos Estados Unidos, a britânica BP está a lidar agora com os processos da maré-negra da plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010.

Estes processos são suplementares aos mecanismos que os próprios donos dos navios e as empresas petrolíferas criaram para compensar rapidamente os efeitos de um acidente. Desde o episódio do Torrey Canyon, que derramou 119 mil toneladas de petróleo ao largo da Cornualha, em 1967, convenções internacionais e acordos voluntários vêm sendo aprimorados para este fim.

A legislação também evoluiu, muito impulsionada por cada nova maré negra, introduzindo medidas preventivas, como a obrigatoriedade de casco duplo para os petroleiros, inspecções mais apertadas nos portos e até listas negras de navios-problema.

Tudo isto tem tido um claro efeito. Na década de 1970 havia, em média, 24,5 acidentes por ano. Já entre 2000 e 2010, a média caiu para 2,5 acidentes por ano, representando apenas 3,7% das marés negras das últimas quatro décadas, em quantidade.

Mas os mecanismos de compensação imediata são insuficientes. Os fundos financiados pelos armadores e pela indústria petrolífera limitam a responsabilidade destes a cerca de 860 milhões de euros. No julgamento do Prestige, os valores sobre a mesa são de 4,1 mil milhões de euros.

O próprio Estado espanhol é quem reclama a maior parte deste montante, devido aos custos para restaurar a zonas poluídas. Muitos acham, porém, que altos responsáveis do Governo é que deviam sentar-se no banco dos réus. Lá está o ex-responsável pela Direcção-Geral da Marinha Mercante, que na altura terá dado a ordem para o Prestige se afastar da costa, quando poderia ainda ter procurado abrigo num porto da Galiza. Mas de onde terá vindo esta instrução?

Além disso, Madrid demorou a reconhecer que havia uma catástrofe em curso na Galiza, e Mariano Rajoy - na altura vice-primeiro-ministro - foi o rosto mais criticado do executivo.

É preciso não esquecer que, em Portugal, Paulo Portas, então ministro da Defesa, ordenou que a Marinha impedisse a entrada do Prestige em águas portuguesas. Depois disso, muito se falou da identificação, na costa portuguesa, de "porto de abrigo" a navios em dificuldades, mas nada passou do papel.

Assim, o julgamento do Prestige avança com quatro réus, três dos quais são tripulantes do navio. Num petroleiro com bandeira das Bahamas, de dono liberiano, certificado nos Estados Unidos, com um armador grego e fretado por uma empresa suíça, não espanta que seja mais fácil encontrar os culpados a bordo.

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