Os mais velhos decidiram atar uma corda à nossa bicicleta

Decidiram atar uma corda à nossa bicicleta. Prenderam-na bem e insistem, sempre que pedalamos com mais vigor, em lembrar que está lá uma corda. Puxam-na para trás e assim ficamos: todos para trás

Foto
Enric Vieves-Rubio

As relações geracionais - de faixas etárias suficientemente afastadas - encerram um fenómeno que tem tanto de interessante como de perigoso. O conflito, se assim se pode chamar, trava-se entre pessoas que vivem momentos profissionais díspares. Por um lado, os mais velhos, que se aproximam da ansiada ou indesejada reforma. Por outro, os mais novos, no pólo oposto, que iniciaram ou estão prestes a iniciar uma carreira profissional. Se se quiser balizar etariamente, os primeiros terão mais de 60 anos e os segundos terão entre os 20 e os 35 anos.

Que problema surge, então? Recorramos a uma imagem metafórica, para perceber o conflito: os mais novos, ao entrar no mercado de trabalho, na vida activa - profissional e civil -, montaram a sua bicicleta. Pela conjuntura, pelas circunstâncias, a bicicleta onde queremos andar está numa mudança "pesada". Talvez uma das mais pesadas de sempre. Ainda assim, não desistimos. Queremos fazer o nosso caminho. Queremos chegar ao nosso destino.

Os mais velhos - não todos, naturalmente - decidiram atar uma corda à nossa bicicleta. Prenderam-na bem e insistem, sempre que pedalamos com mais vigor, em lembrar que está lá uma corda. Puxam-na para trás e assim ficamos: todos para trás. Os novos e os velhos.

Não sei se a sociologia consegue explicar este fenómeno. Não interessa explicá-lo. Interessa contorná-lo. Para isso, importa perceber certos aspectos essenciais:

1. Dizer que nós, jovens, somos a geração mais bem preparada, mais culta e mais capaz de sempre é já um lugar-comum. Mas não deixa de ser um ponto que nos distancia, de forma particular e decisiva, de gerações anteriores, que fizeram do amadorismo uma forma de vida - o tão chamado "desenrascanço". Muitas vezes, foram a falta de oportunidades que ditaram esse destino. É certo. Mas também não é menos verdade que a falta de compreensão da importância da formação contínua fez com que milhares de profissionais não acrescentassem conhecimento algum, década após década de trabalho - facto que (n)os arrastou para níveis de competitividade irrisórios.

2. Não tenhamos medo: criticar aberta e justificadamente outras gerações não é heresia nem atrevimento. Pelo contrário. É do mais saudável que, socialmente, podemos fazer para crescer como um todo. Um todo que se quer diferente, claro, mas unido por objectivos comuns.

3. Por último, um caminho: o da autonomização. Não se trata de esquecer, ignorar ou subalternizar gerações antecedentes. Trata-se, sim, de trilhar um percurso independente e impermeável a influências tão pouco benéficas para um futuro ao mais alto nível.

Sugerir correcção
Comentar