Série Mar Português: A luz do futuro vem do mar e da Gronelândia

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Viagem de instalação da torre eólica cuja flutuação é comandada por computador Foto: Adelino Oliveira

O país tem sido procurado por vários investidores para experiências com novas energias. Testam-se tecnologias com hélices e rolos, com vantagens para a indústria nacional. Esta, porém, arrisca-se a perder o comboio da competição internacional

"Briiisaaaaaa do maaaar... Lalalalala...", cantava Herman José há muitos anos, uma toada que ficou na memória de alguns portugueses. Hoje, a brisa marítima já serve para muito mais do que tema de música e é uma promessa cada vez maior no campo da energia. Que o diga a EDP Inovação, uma das empresas que procuram novas soluções ligadas à produção de electricidade nos oceanos. Quem espreitar pelos binóculos instalados na praia da Aguçadoura, a poucos quilómetros da Póvoa de Varzim, avista ao longe uma das mais jovens "princesas" da empresa. O WindFloat é uma enorme turbina eólica que se ergue sobre uma espécie de tripé, que aparenta estar fixo no fundo do mar. Puro engano. Na verdade, esta estrutura de aço com 89 metros de altura flutua com a ajuda de um computador, que a cada instante faz contas à distribuição da água dentro da estrutura e impede assim o protótipo de se afundar.

António Vidigal, presidente executivo da EDP Inovação, lembra que a empresa anda há 15 anos à procura de oportunidades nas energias offshore - energias que têm origem no alto mar, a mais de 10 ou 20 quilómetros da linha de costa. Foi em 2008 que Alla Weinstein, uma velha conhecida da empresa e presidente da norte-americana Principle Power, os procurou juntamente com António Sarmento, do Centro de Energia das Ondas. O objectivo era convidar a EDP a entrar num projecto para o desenvolvimento de uma nova turbina eólica, inspirada na indústria do petróleo. Isto com base na ideia desenvolvida por dois engenheiros da Universidade de Berkeley, em São Francisco, que tinham procurado criar plataformas petrolíferas de baixo custo.

"Sendo um projecto muito inovador, [o WindFloat] juntava duas indústrias maduras, que são a indústria das plataformas do petróleo e a indústria do vento onshore (em terra firme), das quais se sabia tudo", lembra Vidigal, que ficou surpreendido pelas capacidades que encontrou em Portugal. "Temos tanto estaleiro parado, tantas pessoas que sabem fazer. Das coisas que mais me admiraram no projecto, e que foram uma surpresa, é que a construção foi feita num tempo recorde: desde o dia em que começámos até estar tudo pronto e rebocado para o mar foram nove meses", nota. Dos cerca de 60 fornecedores, 70% foram nacionais.

Vidigal admite também que noutros países "há várias tentativas semelhantes" a este protótipo, mas o WindFloat "está dois anos à frente da concorrência". Outro ponto a favor é que tem uma flexibilidade difícil de igualar: acima dos 40 metros de profundidade esta turbina "flutuante" pode ser instalada onde se quiser", pelo que poderá ficar "em águas muito profundas ou pouco profundas".

Mas por enquanto, o projecto instalado desde Novembro a cerca de seis quilómetros da costa é ainda uma experiência. Esta turbina em alto mar, que está ligada à rede portuguesa de electricidade e ao longo de seis meses já produziu energia suficiente para alimentar 1300 lares, é ainda um protótipo à escala natural do qual a EDP, a Principle Power e outras empresas do consórcio retiram lições que até aqui correm bem. No último Inverno, o WindFloat enfrentou ondas gigantes de 15 metros sem problemas.

Agora, o consórcio começa já a olhar para a fase seguinte, prevista para daqui a dois anos, com o objectivo de reduzir custos. "Há aqui muito espaço para desenvolvermos o conhecimento da indústria portuguesa e estamos a trabalhar com o Instituto Superior Técnico e com outras entidades, para criar um produto mesmo comercial", nota António Vidigal. No final, a EDP planeia utilizar as novas turbinas em projectos de eólicas em alto mar, como por exemplo no Reino Unido.

Até agora o investimento chegou aos 23 milhões de euros, incluindo apoios do Fundo de Apoio à Inovação. O consórcio candidatou-se entretanto a mais fundos comunitários para a construção de um parque de cinco turbinas eólicas offshore, com uma capacidade de 25 MW (megawatts). A concretizar-se esse financiamento, é certo que avança para a fase pré-comercial, dentro de dois anos. Neste caso, cada uma das turbinas terá maior potência do que os dois MW do protótipo actual.

Se tudo correr com sucesso, já na última e terceira fase, o que está previsto será atingirem "150 MW de capacidade instalada, com quantas unidades forem necessárias, dependendo do tamanho das turbinas", lembra por seu turno Alla Weinstein, presidente executiva da Principle Power. "O vento offshore contém muito mais energia do que o vento onshore (em terra), porque no offshore não há obstáculos nem impactos térmicos e por isso a intensidade e qualidade do vento são muito maiores", explica a gestora norte-americana.

E o que é que trouxe esta empresa de tecnologias offshore para Portugal? Alla Weinstein destaca as relações que já tinha com a EDP, de projectos anteriores, e também a existência de uma tarifa de apoio a estas energias. "Portugal publicou uma lei que criou uma tarifa para a energia das ondas e descobrimos que a mesma tarifa podia ser aplicada ao vento offshore. Então as condições de mercado eram perfeitas aqui e não eram tão boas noutros sítios", realça, lembrando também a facilidade de comunicar em inglês que encontrou durante a construção do protótipo.

De olho numa alternativa

Olhando agora de outra perspectiva, que sentido faz investir em energia dos oceanos, que é mais cara e tem maior risco do que outras, num país que tem dificuldades financeiras? António Sarmento, presidente do Centro de Energia das Ondas, sabe na ponta da língua as respostas à pergunta que ele mesmo acabou de lançar.

Primeiro, realça "os problemas na segurança do abastecimento de energia" e lembra que estudos já realizados demonstraram que à taxa actual de consumo, o mundo tem energia de fontes conhecidas suficiente para 78 anos. "Mas se todos começarmos a consumir como os norte-americanos, incluindo a China e a Índia, esse espaço de tempo cai para 18 anos."

"É nessa lógica de que o mundo vai precisar de muito mais energia do que aquela disponível que faz sentido apostar em fontes que não são ainda comercialmente competitivas", defende o também docente e investigador no Instituto Superior Técnico. António Sarmento estima que "em Portugal as ondas têm um potencial da ordem dos 20% do consumo de energia eléctrica", mas também tudo aquilo que é "a cadeia industrial associada". "Se tivermos esta tecnologia, estaremos a abrir portas a uma indústria altamente exportadora", sublinha.

Ainda assim, o responsável do centro - o primeiro que apareceu no mundo dedicado à energia das ondas, em 2003 - avisa que "Portugal tem andado a dormir neste sentido".

António Sarmento lembra que foi aqui que primeiro se lançou uma tarifa para a energia das ondas. Em 2007, os portugueses foram também pioneiros ao anunciarem a criação de uma zona-piloto "com um potencial significativo de instalação muito grande, porque permitia não só fazer a demonstração dos conceitos como caminhar depois para a parte industrial". "Isso obviamente foi muito atractivo para as empresas, porque estas preferem fazer a demonstração num sítio, sabendo que aí têm potencial para darem os passos seguintes."

O problema foi que após o anúncio do então ministro da Economia, Manuel Pinho, seguiram-se vários anos de silêncio. "O que não se pode fazer é anunciar uma medida destas em 2007 e em 2012 ainda andarmos a discutir", sublinha o professor do Instituto Superior Técnico. "O anúncio quando foi lançado teve um impacto brutal. Mas este ano vai realizar-se uma conferência internacional de energia dos oceanos, que acontece de dois em dois anos, com uma sessão dedicada a centros de testes, e a entidade portuguesa não foi convidada a estar presente", lamenta.

Sarmento lembra que "entretanto todos os países desenvolveram os seus centros de testes, não com a dimensão do português, mas todos eles têm: Reino Unido, França, Espanha, Noruega, Suécia...". Ainda assim, acredita que Portugal ainda tem "alguma capacidade de atracção, mas "se demorarmos outros cinco anos a concretizar o projecto é evidente que as coisas passam".

Obrigatório é haver espaço em Portugal para a experimentação e para o erro, sem empolar projectos que ainda estejam a começar. Foi esse o problema do Pelamis, uma experiência com energia das ondas promovida em 2008 pela escocesa Pelamis Wave Power, em conjunto com outras empresas como a EDP e a Efacec, junto à mesma praia onde está baseado o projecto do Windfloat. "Foi um triunfalismo excessivo que depois se pagou caro, com o ministro [Manuel Pinho] muito aborrecido com a experiência. O projecto da zona-piloto estar parado durante dois anos foi em parte resultado disto, tal como o facto de várias empresas se terem retraído em razão deste insucesso", comenta.

Abertura para quando?

A entrada em funcionamento da zona-piloto, que foi baptizada de Ocean Plug, está agora prevista para o próximo ano - dependendo da evolução dos trabalhos. "Mantemos a abertura para 2013 mas é um cenário um pouco optimista, pois significa que toda a infra-estrutura e tudo o que vamos instalar irá correr sem problemas", avisa João Cardoso, que é desde 2010 director da Enondas - empresa da REN que tem em mãos o projecto das energias do mar. "Estamos a falar de operações marítimas e de um momento para o outro podemos estar a passar de uma situação agradável para uma situação desagradável", alerta este comandante da Marinha.

Foi em Outubro de 2010 que a Enondas assinou com o Estado o contrato para a concessão da exploração da zona-piloto, que fica situada entre São Pedro de Moel e Pedrógão, na costa oeste, e é "uma das melhores áreas de ondas e de ventos", realça João Cardoso. "É um espaço de mais ou menos 320 quilómetros quadrados, compreendido entre a batimétrica (profundidade) de 30 metros até mais ou menos à batimétrica de 90 metros". Nesta zona estão previstos três corredores para a passagem de cabos de ligação à rede eléctrica portuguesa.

Para já, fizeram-se os estudos de caracterização geofísica, entregues ao Instituto Hidrográfico, e que tentam compreender qual a morfologia do fundo, a composição geológica, as correntes na zona, a composição química da água e o sistema de agitação marítima. João Cardoso realça que estes dados são "fundamentais", não só para a instalação das infra-estruturas de apoio, mas também para os promotores que ali queiram instalar protótipos para serem testados ou projectos comerciais.

Neste momento, a empresa do grupo REN vai avançar com os estudos ambientais e está a redigir o regulamento de acesso à zona-piloto, além de estar em contactos com os principais promotores e tecnólogos. De um total de três ou quatro promotores que estão já previstos, um dos clientes mais certos é o Windfloat, nomeadamente a segunda fase do projecto que prevê a instalação de um parque eólico com capacidade de 25 MW. Quanto aos outros potenciais clientes, João Cardoso admite que enfrentam concorrência de outros centros de testes. "Eles [os possíveis promotores] estão a analisar e nós estamos a estudar, com alguns já estamos a ter reuniões técnicas e a definir os contornos com que podem vir instalar-se na zona-piloto, mas ainda não temos contratos assinados", indica.

Uma vantagem do projecto Ocean Plug é que em Portugal um promotor não precisa de se ficar pelo protótipo e pela fase de testes e "pode continuar a desenvolver o seu projecto até ao parque de ondas". "Os mares não são todos iguais e as máquinas são desenvolvidas de acordo com o espaço onde vão ser colocadas. Se eles quiserem ficar em Portugal, temos espaço e garantia de potência e assim não precisam de ir à procura de outro espaço e de licenciamento para injecção de energia eléctrica na rede", confirma João Cardoso. O decreto-lei que criou a zona piloto garante a possibilidade de injectar até um máximo de 250 MW na rede eléctrica a partir da zona-piloto, "o que dá para fazer alguns parques simpáticos".

Quanto ao investimento previsto para a zona-piloto, ascende a 15 milhões de euros ao longo de quatro anos e já teve início em 2011, mas uma grande parte deste dinheiro será aplicado na instalação de cabos para ligação à rede eléctrica. O financiamento será feito pela REN e é abatido ao longo de vários anos através da factura eléctrica paga pelos consumidores, mas também poderá haver candidaturas a fundos comunitários.

Ondas que chegam de longe

Por outro lado, Portugal pode tirar vantagens de "condições de ondulação muito privilegiadas". João Cardoso explica que ao contrário das vagas, criadas pelos efeitos do vento sobre a superfície do mar, a ondulação "é uma propagação". No caso português, "o nosso principal centro de produção de ondas é o mar entre a Gronelândia e a Islândia e essas ondas propagam-se até à nossa costa". "Acabamos por ter a boa ondulação, a ondulação com maior comprimento de onda e bastante energia, que depois chega à nossa costa sem termos de sofrer as tempestades."

Uma das qualidades desta forma de energia, aliás, é que se trata de uma propagação com origem em locais normalmente afastados da nossa costa portuguesa, o que a torna muito previsível. "Podemos prever o que é que vamos injectar na rede durante as próximas 24 horas." Já com o vento, é muito mais difícil fazer previsões e as mudanças são bruscas.

E quais são as vantagens que Portugal pode retirar da aposta nesta área, nomeadamente com os investimentos na zona-piloto, durante os próximos anos? Tal como António Sarmento, João Cardoso lembra que os promotores de novas tecnologias ligadas às energias do mar "vão usar as capacidades nacionais". "Projectos destes rondam normalmente um investimento entre os 10 e os 25 milhões de euros, para demonstração de conceito, e desse dinheiro grande parte será para adquirir serviços e equipamentos no mercado nacional."

Este é o caso do Waveroller, uma tecnologia desenvolvida pela finlandesa AW Energy que está em Portugal, na zona da Almagreira, em Peniche, a testar um protótipo de energia das ondas. Este equipamento foi colocado no fundo do mar em Agosto, a cerca de 500 metros e por isso próximo de terra (nearshore), pelo que não se poderia instalar na zona-piloto gerida pela Enondas. Constituído por um conjunto de painéis que parecem grandes asas a oscilarem continuamente, movidas pela força do mar, o protótipo deverá ficar no mesmo local "durante um ano", prevê o inventor desta tecnologia. Rauno Koivusaari conta que ficou muito satisfeito com o apoio do presidente da Câmara de Peniche e decidiu trazer o projecto para Portugal em 2006, devido à existência de uma tarifa de apoio a esta forma de energia.

O equipamento, que é já o terceiro ou quarto a ser testado pela empresa no mar de Peniche, foi em grande parte produzido nos Estaleiros Navais de Peniche (ENP) e também pela empresa A. Silva e Silva. "Na Finlândia foram construídos os três módulos de aço onde estão instaladas as chamadas casas das máquinas, onde estão os equipamentos que absorvem a energia e a produzem", explica Álvaro Oliveira, director-geral dos ENP. "Aqui, construímos os restantes módulos de aço, que foram cerca de 280 toneladas de módulos em aço, e instalámos os tanques produzidos pela A. Silva e Silva", descreve o mesmo responsável.

O próximo passo será decidir a instalação dos próximos protótipos em Portugal, o que irá depender do financiamento conseguido, incluindo uma candidatura a fundos comunitários, mas Rauno mostra-se optimista. Pelos cálculos deste gestor e mergulhador finlandês, até agora o projecto custou mais de 10 milhões de euros. No final, feitas as contas, as novas energias do mar mostram-se promissoras mas têm ainda muitos passos para dar. Não há hoje no mundo "nenhum parque de ondas que esteja a fornecer energia à rede de forma efectiva", realça João Cardoso, da Enondas, que admite que "há testes, algumas ideias, mas a energia das ondas tem tido dificuldades para arrancar." Estudos já realizados apontam para 2020 como a data mais provável para esta forma de energia se transformar em realidade, principalmente no caso das energias offshore (aquelas que são mais longe de terra).

Já o presidente do Centro de Energia das Ondas, António Sarmento, lembra que o investimento mundial nestas energias "é diminuto", cerca de 100 milhões de euros por ano. E conclui: "Para um país à escala portuguesa, os investimentos que faz no eólico ou no solar são uma gota de água no oceano, mas em energia dos oceanos podem ter uma expressão a nível mundial."

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