CGD financiou indevidamente um director acusado de vigilância ilícita

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Acções de vigilância no banco público já originaram várias queixas Foto: Filipe Arruda (arquivo)

O director do Gabinete de Prevenção e Segurança (GPS) da CGD, Nuno Bento, recebeu, em 2011, um financiamento do banco de 800 mil euros, quando o Acordo de Empresa estabelece o limite máximo de 210.409,8 euros, sendo que metade do crédito dado foi a custo zero (sem spread).

O líder sindical do grupo, João Lopes, diz que se está perante "uma situação de protecção de privilégio" e que "há hoje na CGD interrogações, no domínio dos meios telefónicos e de vídeo vigilância".

Nuno Bento é alvo de denúncias sobre alegados actos de vigilância ilícita a trabalhadores e, há cerca de um mês, foi constituído arguido no quadro de um inquérito judicial. Em 2005, Bento foi nomeado director do GPS, por indicação de Armando Vara, que assumira funções nesse ano. Vara decidiu, então, recuperar o GPS desactivado em 2000, após uma auditoria interna à actividade do departamento, e cujas conclusões foram demolidoras: existência de "gravações de conversas e escutas telefónicas internas" ilícitas a trabalhadores. O documento seria conhecido apenas em 2011.

O actual número dois do GPS é Gonçalves Pica, ex-agente da PJ. De acordo com a Sábado [23 de Julho de 2009] este colaborador do GPS foi "apanhado nas escutas" do processo CTT, quando estava a trabalhar na Groundforce de licença sem vencimento da PJ. O advogado de Gonçalves Pica nega os factos relatados pela Sábado (e reproduzidos pelo Correio da Manhã) sobre o seu cliente e revela que estão em curso processos judiciais.

Os créditos concedidos a Nuno Bento - formalizados a 1 de Abril de 2011 num cartório na Rua Visconde de Santarém, em Lisboa - totalizam 800 mil euros a liquidar ao longo de 39 e 40 anos. A primeira fatia é de 208.326 euros (juros de 0,648% ao ano), a segunda de 191.674 euros (juros de 0,81% ao ano) e a terceira - a mais polémica por ter sido contratualizada a custo zero para o director - é de 400.000 euros (apenas a Euribor a 6 meses). Parte do financiamento destinou-se à compra de um terreno, situado na Venteira, Amadora, dado como garantia, que custou 117.195,33 euros.

Questinada sobre a situação, a CGD referiu que "não tem por hábito comentar assuntos de clientes, ainda que esses clientes sejam seus colaboradores".Esta operação de financiamento está a gerar polémica no banco público. João Lopes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo CGD, reagiu ao PÚBLICO, dizendo: " Não tenho conhecimento de quaisquer despachos que permitam situações destas. A existirem, então, é ao nível da direcção". O sindicalista considera "inqualificável" e um "absurdo dar créditos a spread 0%, naquele montante, o que resulta, diz, "numa protecção de privilégios." "Os contratos celebrados [com Nuno Bento] são imorais, no actual quadro de crise, quer face aos trabalhadores e à empresa, que tem um papel a desempenhar na economia nacional". Conclui: "Fico a pensar a quantos não darão mais. É um cenário muito complicado. A minha ideia é levar esta questão à próxima reunião de direcção" sindical.

O Acordo de Empresa celebrado com os sindicatos define, entre outros pontos, que o montante máximo do empréstimo a conceder a um trabalhador com benefícios contratualizados não pode exceder 210.409,3 euros. "Acima de 210.409,3 euros, o funcionário devia ser tratado como outro cliente da CGD".

Nos últimos 13 anos, o nome de Nuno Bento tem surgido associado a várias denúncias realizadas por colaboradores do grupo estatal [o PÚBLICO tem conhecimento de, pelo menos, quatro queixas a correr nos tribunais], envolvendo ainda outros funcionários, ex-funcionários e ex-directores do mesmo departamento. Mas também altos responsáveis da instituição.

Em causa, estarão alegados actos de vigilância abusiva a quadros da CGD, com recurso a diversos meios, desde vídeo, escutas telefónicas e violação de correspondência. Apesar de terem sido consideradas credíveis pelo Ministério Público, que ordenou a abertura de inquéritos-crime as várias administrações da CGD - incluindo a actual, liderada por José de Matos - optam por não dar seguimento às situações reportadas.

O caso mais recente remonta a 27 de Agosto deste ano, quando Nuno Bento foi chamado à Divisão de Investigação Criminal da PSP, no bairro de Alcântara, para prestar declarações no quadro de uma queixa-crime a correr no Ministério Público, apresentada por uma trabalhadora do grupo. A denúncia de violação ilícita de correspondência deu entrada na 4ª secção do DIAP de Lisboa, com o processo 7256/12.4TDLSB. Nesse dia, Bento deixou a esquadra policial já na qualidade de arguido com termo de identidade e residência.

Fonte oficial da PSP, contactada pelo PÚBLICO, alegou dever de sigilo sobre estas matérias, por estarem em causa "procedimentos de carácter reservado e confidencial". O PÚBLICO tentou ainda, mas sem resultado, obter um comentário por parte da funcionária da CGD que apresentou a queixa contra Nuno Bento. Numa posição enviada ao PÚBLICO, a CGD afirma que "a qualquer cidadão assiste o direito de apresentar queixas. Aos arguidos assiste a presunção de inocência e aos tribunais compete julgar". Já o director do GPS da CGD optou por delegar os esclarecimentos na instituição.

"Já levantei estas questões, pessoalmente, à actual gestão e, tal como as anteriores, não fez nada. Ficou calada", explicou João Lopes, para quem existem "muitas interrogações, nomeadamente, no domínio da existência de meios telefónicos e de videovigilância, que suscitam dúvidas às pessoas investigadas mesmo quando estão em causa assuntos particulares. Mas sobre este tema existe uma cortina de silêncio por parte da administração." Lopes concluiu: "Não percebo. Parece que existe uma situação que os impede de actuar. Acho estranho." O PÚBLICO procurou também obter um comentário por parte de José de Matos.

O tema das "escutas ilegais na CGD" chegou ao domínio público no final do ano passado quando, a 22 de Dezembro, o Correio da Manhã revelou que o departamento dirigido pela procuradora Maria José Morgado abriu dois inquéritos, tendo como ponto central a actuação do GPS do banco estatal. Em causa, estão suspeitas de terem sido cometidos crimes com recurso à "utilização de um gravador ligado à central de segurança do edifício-sede, que permite fazer escutas de rede fixa e móvel, captando frequências de telemóveis na zona, além de escutas ambiente, em salas e gabinetes fechados."

O Correio da Manhã, num segundo artigo, faz referência a outro relatório interno. Este resultou de uma averiguação interna desencadeada após alguns funcionários do GPS se terem queixado, entre outros factos, de "gravações de conversas e escutas telefónicas internas a pessoas não gratas à direcção ou a certos elementos" do gabinete, que actuará com "microgravadores, accionáveis por voz e cuja necessidade de aquisição estranham". O CM menciona ainda que três actuais altos responsáveis no banco tiveram acesso ao documento, mas nunca o enviaram para a PJ e para o Ministério Público para investigação.

Notícia alterada às 16h08 (texto integral) e corrigida às 16h33
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