Vídeo com imagem manipulada de Lisboa custou 190 mil euros

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A duplicação faz com que a rua Braamcamp pareça maior e que a Avenida da Liberdade fique muito reduzida DR

O Turismo de Portugal (TP) pagou 190 mil euros por The Beauty of Simplicity, o vídeo promocional que usa imagens manipuladas de Lisboa. A prestação de “serviços de publicidade” foi atribuída à Krypton Films por ajuste directo. A produtora recebeu ainda 19 mil e 20 euros para “licenças”, na sequência de um contrato celebrado no dia anterior ao da publicação do vídeo na página do TP no YouTube.

No total, a Krypton Films recebeu 209 mil e 20 euros do TP. Este instituto público contratualizou a “produção de um filme de promoção da oferta de Portugal, enquanto destino turístico” a 21 de Setembro de 2010, quando o seu actual presidente, Frederico Costa, era o responsável pelos pelouros da promoção e dos assuntos internacionais.

O Governo era então liderado por José Sócrates e no Ministério da Economia, que tutela o TP, estava Vieira da Silva. O TP era presidido por Luís Patrão, antigo deputado do PS, secretário de Estado da Administração Interna (segundo governo de António Guterres) e ex-chefe de gabinete de Sócrates e de Guterres. No conselho directivo do TP desde 2005, Frederico Costa foi nomeado presidente no final de Novembro de 2011.

A 24 de Maio de 2011, o TP celebrou um segundo contrato com a Krypton, para “aquisição de bens móveis” (descritos como “licenças”), no valor de 19,02 mil euros. No dia seguinte, o vídeo foi publicado pelo TP no YouTube. Ambos os contratos estão listados no Base, o site do Governo que reúne todos os contratos públicos.

The Beauty of Simplicity

(ou

A Beleza da Simplicidade

, na tradução portuguesa) captou a atenção com os prémios conquistados em festivais internacionais desde Junho do ano passado – na Polónia, na Letónia, nos EUA, em França e na Sérvia. Foi este último prémio, atribuído no Festival Internacional de Filmes de Turismo e Ecologia da Sérvia, que levou o engenheiro electrotécnico Pedro Rocha a procurar o vídeo. O que encontrou deixou-o espantado: imagens manipuladas de Lisboa.

O caso foi revelado nesta terça-feira pelo Expresso: edifícios do Marquês de Pombal e da Avenida Fontes Pereira de Melo aparecem duplicados, ao terceiro minuto do vídeo, assim como a própria rotunda (a duplicação omite a estátua) e parte do Parque Eduardo VII. Os últimos prédios da Fontes Pereira de Melo voltam a ser os mesmos após o Marquês, fazendo com que a rua Braamcamp pareça maior do que o que é na verdade e que a Avenida da Liberdade fique reduzida a um vestígio do seu comprimento real.

O custo do vídeo, realizado por Rogerio Boldt, é superior a muitos dos apoios dados pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) para a produção de filmes. Em 2010, ano da celebração do contrato entre o TP e a Krypton, o ICA atribuiu apoios a documentários de três reconhecidos realizadores – Manuel Mozos, João Canijo e João Botelho – que, todos juntos, somam 185,5 mil euros – quantia inferior à que foi paga pelo vídeo promocional.

Olhando para o financiamento atribuído em anos anteriores a 2010, nota-se ainda que filmes como Tabu, de Miguel Gomes, ou Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, duas das obras cinematográficas portuguesas mais premiadas dos tempos mais recentes, receberam do ICA 600 mil e 630 mil euros, respectivamente. Rafa, a curta-metragem com que João Salaviza ganhou o Urso de Ouro em Berlim, recebeu do mesmo instituto 44 mil euros para a produção dos seus 25 minutos.

“É um preço razoável”

“Não é uma coisa milionária”, atesta Carlos Coelho. O fundador e presidente da Ivity Brand Corp, onde constrói e gere marcas como a RTP, a TAP ou a Galp Energia, não tem dúvidas em afirmar que o vídeo


The Beauty of Simplicity

“nem sequer é caro”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre o orçamento que lhe parecia ser suficiente para a produção, Carlos Coelho avançou que seriam necessários, “no mínimo”, 175 mil euros. “Um vídeo daquela qualidade envolve muitos meios, meios aéreos, muita gente, uma série de dias de filmagens”. Depois, já a par do valor pago pelo TP – 190 mil euros – disse tratar-se de uma quantia “razoável”.

“Se eu tivesse 200 mil euros para fazer este filme, tinha de gerir muito bem o dinheiro. Senão não ganhava nada”, diz. “As pessoas acham que metade desse dinheiro é lucro. Mas não é. Há dez anos é que se cobravam 500, 600, 700 mil euros. Aí é que se ganhava a outra metade. Agora, não.” Carlos Coelho diz mesmo que “era impossível” fazer o vídeo com menos. “Não tem como.”

O empresário entende, de resto, que “o Estado tem obrigação de investir dinheiro na promoção do país. O turismo é um sector muito importante para Portugal”.

O PÚBLICO tentou contactar o director-geral da Krypton, João Vilela, sem sucesso.

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