Torne-se perito

Governo deixa cair a TSU e fica sem saber como pôr o país a crescer

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Havia um ambiente tenso do lado do Governo, segundo descrições feitas por parceiros sociais MIGUEL MANSO

O executivo quer travar a procura interna e desvalorizar os custos salariais. Ao largar as mexidas da TSU, abandonou pela terceira vez a sua solução de início

O Governo deixou cair as mexidas na Taxa Social Única (TSU). Mas falta definir quem irá pagar os 2400 milhões de euros que o Governo espera obter com o corte de subsídio de Natal e de férias dos funcionários e pensionistas que o Tribunal Constitucional impediu. E quando serão devolvidos aos contribuintes.

O primeiro-ministro já assumiu que o esforço será repartido entre impostos directos (IRS e IRC), capital e património. Vítor Gaspar admitiu estar de acordo com a tributação das transacções financeiras e com o agravamento do IRC para as grandes empresas. Mas resta saber quem, no final, pagará a maior factura.

Estas são as conclusões e dúvidas da reunião de ontem do conselho permanente da concertação social. Amanhã, às 8h30, realiza-se um Conselho de Ministros extraordinário de preparação do OE de 2013, em que se abordará estas matérias. O Governo ficou, "nos próximos dias", de fazer propostas aos parceiros. Haverá reuniões bilaterais e o ministro da Economia centralizará os esforços de encontrar consensos para medidas de promoção da competitividade.

A reunião foi convocada na sequência de um encontro na quarta-feira entre o primeiro-ministro e os signatários do acordo social de Janeiro passado. Nela, Passos Coelho aceitou estudar alternativas à polémica mexida da TSU, contestada fortemente na rua.

O Governo esteve representado por Passos Coelho e pelos ministros das Finanças, Economia e Segurança Social. Havia um ambiente tenso do lado do Governo, segundo descrições feitas por parceiros sociais.

A reunião abriu com uma intervenção de Passos Coelho. O primeiro-ministro assumiu o recuo às mexidas na TSU. No final, diante das câmaras, explicou as suas razões.

"É público que a medida que foi apresentada foi percepcionada pelo país muito para além daquilo que era a intenção do Governo", começou. "Foi tomada, em primeiro lugar, como um sinal de distribuição inequitativa do esforço (...), provocando uma transferência de recursos do sector do trabalho para o sector do capital e ameaçando dessa maneira o entendimento do consenso social (...). E em segundo lugar, a medida foi, se não mal entendida, foi mesmo subvertida naquilo que eram os seus propósitos quando diversos empresários e estruturas representativas dos empresários afirmaram estar disponíveis para anular o efeito dessa medida." Por isso, "não faria sentido que o Estado lhes agravasse os seus custos. E menos sentido ainda faria que as próprias empresas decidissem aumentar os seus custos e penalizar a sua competitividade para anular o efeito de uma medida que o Governo pretendia adoptar justamente para que o crescimento pudesse ocorrer mais cedo. Por essa razão manifestei abertura para encontrar uma alternativa a essa alteração".

Mas, a seguir, Passos Coelho quis ouvir alternativas dos parceiros às medidas de competitividade e como cobrir a poupança prevista com o corte dos dois subsídios. Ao todo, cerca de 2000 milhões de euros, mas o ministro das Finanças adiantou ontem custar 2400 milhões. Passos Coelho disse que queria obter a quantia com mexidas nos escalões do IRS. O imposto é pago em 90% por assalariados e pensionistas.

Inscreveram-se a CIP, a CAP, a UGT, a CCP, a CGTP e CTP e a sua reacção levou a uma mudança de posição do primeiro-ministro. Sobre a forma de pagar o corte de subsídios, o lado sindical e mesmo algumas confederações patronais, como a CCP, frisaram a importância de não se asfixiar o mercado interno e de que uma estratégia apenas assente nas exportações é insuficiente. A CCP propôs que se deveria tributar os fornecedores de telecomunicações, energia e combustíveis que têm aumentado os "custos de contexto" das empresas. A CGTP propôs uma panóplia de impostos que arrecadarão 6000 milhões de euros - criação de uma taxa de 0,25% sobre as transacções mobiliárias (2000 milhões), de um novo escalão em IRC (1000 milhões), sobretaxa de 10% para dividendos de grandes accionistas (1600 milhões) e metas no combate à evasão fiscal com metas (1100 milhões).

Na sua intervenção, o ministro das Finanças gerou tensão ao afirmar ser essencial manter a austeridade e que a saída não era incentivar a procura interna. Mas terá espantado mais quando - segundo a CGTP - afirmou estar de acordo, grossomodo, com as propostas desta central. Inclusivamente, fazia parte de um grupo de trabalho europeu que defendia a introdução da taxação das transacções mobiliárias à escala europeia. O Ministério das Finanças não respondeu ao pedido de confirmação do PÚBLICO.

O primeiro-ministro afirmou que levava da reunião a necessidade de alargar o esforço a todos. E foi isso que afirmou à saída: a contribuição também do capital e do património, de "impostos directos" e do "esforço que já estava pensado para o reescalonamento do IRS", afirmou. Aumentar ou reduzir o IVA está fora de questão. A tributação sobre o tabaco irá subir.

A possibilidade de mais impostos em 2013 ficou no ar quando o Governo tem esgrimido, por várias vezes, o seu compromisso de reduzir a despesa pública em 4000 milhões de euros em 2013 e 2014, sem que se perceba onde. João Proença, da UGT, e Arménio Carlos, da CGTP, saíram da reunião a alertar os portugueses de que a intenção que está na forja pelo Governo é aumentar os impostos e que o protesto não pode parar.

Para promoção da competitividade, houve um consenso entre sindicatos e confederações patronais de que são os custos de contexto das empresas - e não os custos salariais - que mais pesam sobre as empresas. António Saraiva, da CIP, frisou à saída os problemas de financiamento das empresas, o reembolso de IVA contra recibo, mais mecanismos de garantia mútua. Mexidas na TSU teriam de ser reduzidas, fossem para estimular alguns sectores, como "a indústria transformadora, turismo, transportes e alguma hotelaria" (CIP); fossem para promover o emprego (UGT). A CGTP está contra.

A TSU caiu. Mas, com esse abandono, caiu pela terceira vez a medida que, segundo o próprio Governo, visava impedir que a austeridade se tornasse uma espiral recessiva (ver texto na pág. 4). Como afirmou Passos Coelho à saída, a desvalorização fiscal "pode ser financiada de três maneiras: através do trabalho; através do consumo, ou através de outros impostos, que saiam de transferências do OE para a Segurança Social". E que, sem ela, as medidas alternativas para a competitividade e o emprego "nunca terão o impacto tão relevante quanto uma medida de desvalorização fiscal como aquela que estava desenhada". Ora, se há mais impostos na calha, resta saber se as novas previsões macroeconómicas e orçamentais se cumprirão.

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