Há uma enorme rã nas Caraíbas que come tarântulas e serpentes

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A equipa de investigadores captou o momento em que a rã engolia uma tarântula Gonçalo M. Rosa

Na escuridão da noite nas florestas das Caraíbas, a galinha-da-montanha - uma das maiores rãs do mundo - foi surpreendida a comer tarântulas e serpentes. Entre os investigadores está um biólogo português.

No mundo animal, as tarântulas e as serpentes estão entre os maiores predadores das rãs. Mas desta vez, a história acontece ao contrário. Gonçalo M. Rosa, do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e outros investigadores que trabalharam na ilha de Montserrat, no mar das Caraíbas, em 2009, descobriram grandes rãs de tons acastanhados - as galinhas-da-montanha (Leptodactylus fallax) - a comer tarântulas-de-montserrat (Cyrtopholis femoralis), espécie endémica daquela ilha. Na verdade, aquela rã é o primeiro predador confirmado da tarântula-de-montserrat, dizem os autores do estudo publicado esta semana na revista Tropical Zoology.

A rã de hábitos nocturnos, que passa o dia escondida em buracos e reentrâncias nas rochas, alimenta-se sobretudo de pequenos grilos e pequenas aranhas que encontra no chão da floresta. Mas afinal o seu menu é mais diversificado. A primeira observação do desfecho desta interacção entre os dois gigantes de Montserratt aconteceu a 28 de Agosto de 2009, às 23h55, na zona de maior biodiversidade da ilha.

"Quando nos aproximámos da rã, vimos que tinha uma tarântula na boca, com quatro patas de fora (...). Depois de ter engolido duas vezes, a tarântula estava completamente consumida", numa "refeição" que durou cerca de quatro minutos, segundo o artigo científico publicado a 17 de Setembro pelos investigadores da Universidade de Kent, do Durrell Wildlife Conservation Trust, Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Museu Nacional de Ciências Naturais de Espanha, Sociedade Zoológica de Londres e dos Zoos de Perth e Chester.

A 9 de Setembro de 2009, às 20h, uma tarântula dirigiu-se devagar na direcção de uma rã quando foi subitamente capturada. Desta vez foram precisos seis minutos para a galinha-da-montanha acabar de comer a tarântula.

Estas observações foram feitas durante uma expedição coordenada pelo Zoo de Jersey, e da qual Gonçalo M. Rosa fez parte, para tentar travar a progressão do fungo Batrachochytrium dendrobatidis, que ameaça a galinha-da-montanha. "Encontrámos vários indivíduos a comer tarântulas quando fazíamos as saídas de campo nocturnas", contou o investigador português.

Segundo Gonçalo M. Rosa, "as rãs não serão propriamente imunes ao veneno das tarântulas. Mas as rãs abocanham, mordem e mastigam as tarântulas de tal forma que não lhes dão oportunidade de espalhar o veneno", explicou.

Mais tarde, em Outubro de 2011 e na ilha de Dominica, investigadores encontraram restos de serpente-de-julia (Liophis juliae) nas fezes da mesma espécie de rã. Na opinião do biólogo - cientista tanto no Instituto Durrell de Conservação e Ecologia da Universidade de Kent, no Reino Unido, como no Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - este estudo "dá-nos uma perspectiva que não é tão usual: a maioria dos relatos de interacção de rãs e tarântulas mostram estes aracnídeos como predadores vorazes das indefesas rãs. Aqui assistimos ao oposto: uma rã a ingerir sem problemas uma tarântula", contou Gonçalo M. Rosa ao PÚBLICO. Além disso, a rã "apresenta uma dieta da qual também fazem parte serpentes. Impressionante, não?"

Contudo, as capacidades predatórias da rã não lhe garantem a sobrevivência. Hoje, a galinha-da-montanha - que, segundo Gonçalo M. Rosa, é assim chamada pelos locais pelas grandes dimensões que atinge e o seu sabor a galinha quando cozinhada - está classificada como Criticamente Ameaçada pela União Mundial de Conservação da Natureza (UICN). Esta espécie existia em pelo menos seis ilhas das Caraíbas mas hoje já só existe em duas: Montserrat e Dominica.

"As observações feitas ajudam a um melhor conhecimento da biologia e ecologia da espécie", ajudando à conservação da rã, nomeadamente aos esforços de reprodução em cativeiro, acredita o investigador.

Segundo os investigadores que assinam o artigo, o declínio deste anfíbio deve-se à perda de habitat, sobrecaça para consumo e espécies exóticas invasoras. "A recente introdução do fungo Batrachochytrium dendrobatidis naquelas duas ilhas causou um declínio dramático nas populações que ainda restavam", acrescentam os investigadores. "A população de Dominica foi quase extirpada na sua totalidade e a de Montserrat foi afectada pelo fungo mais tarde. Em muitos ribeiros da ilha os números baixaram também drasticamente. Vários programas têm juntado esforços para proteger esta espécie e eu juntei-me a um deles em 2009."

Gonçalo M. Rosa apontou ainda outro obstáculo à rã - o vulcão da ilha de Montserrat. "Este tem tido uma actividade muito intensa e um terço da ilha está inacessível, sob as cinzas. Muitas áreas de floresta desapareceram. Ainda não conhecemos bem quais os impactos directos na rã, mas podemos dizer que o vulcão dificulta os trabalhos de conservação", explicou o biólogo.

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