Bigodes de ratinhos ajudaram a esclarecer troca de sinais no cérebro

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Os investigadores usaram uma nova técnica para "ler" as mensagens da região motora do cérebro Osaka University/AFP

Um trabalho realizado por investigadores em Portugal e nos EUA mostrou que a região motora do córtex cerebral também envia informação sensorial e que esta parte do cérebro guarda uma memória da experiência. Os cientistas usaram uma nova técnica para captar os sinais trocados no cérebro de ratinhos que usavam os seus bigodes para desempenhar uma tarefa. A conclusão reportada num artigo publicado na Nature pode ser útil para o estudo de algumas doenças, como a esquizofrenia ou o autismo, que se acredita poderem estar ligadas a danos nestes circuitos.

A recompensa era água para os sedentos ratinhos. O exercício proposto por Leopoldo Petreanu, investigador principal do Programa de Neurociências da Champalimaud, em conjunto com colegas do Instituto Howard Hughes nos EUA, consistiu em colocar os animais na escuridão e fazer com que "reconhecessem" a posição de um objecto recorrendo ao que têm de mais parecido com as mãos das pessoas, ou seja, aos seus bigodes.

Em vez de eléctrodos, a forma tradicional de medir os impulsos eléctricos do cérebro, os cientistas usaram uma nova técnica para medir os sinais enviados pelos "cabos" que ligam as regiões do córtex cerebral chamados de axónios. E logo aqui conseguiram o primeiro avanço. "Desenvolvemos um novo método e, em vez dos eléctrodos, usámos um método óptico através do qual manchamos um axónio com uma molécula - através de engenharia genética - que muda de cor (fluorescência) quando os sinais eléctricos são detectados", explicou Leopoldo Petreanu ao PÚBLICO. O investigador nota que esta técnica já tinha sido usada para medir a actividade de neurónios mas nunca tinha sido usada em axónios.

Através de uma espécie de janela aberta para o cérebro de um ratinho acordado e a desempenhar uma tarefa, os investigadores observaram os axónios marcados com a molécula a "acender" quando se verificava um sinal. Que sinais foram medidos? "Trabalhámos no córtex cerebral que é a área que está mais à superfície do cérebro e por isso é mais fácil de aceder e além disso é a parte que nos humanos é responsável pela inteligência, linguagem, etc. Os sinais que medimos são os que vão de áreas do córtex que são responsáveis pelos movimentos para as áreas mais sensoriais", refere o cientista, acrescentando que "o cérebro tem muitos cabos (axónios) entre a área motora e sensorial mas não sabíamos que tipo de informação era trocada". Agora sabe-se um pouco mais. Os resultados das experiências levaram à confirmação do envio pelas regiões motoras de sinais relacionados com o movimento mas também outros. "Percebemos que há muitos outros sinais enviados ao mesmo tempo por estes cabos, sinais que estão todos misturados, e que as áreas motoras também enviam sinais que reflectiam as sensações", conta Leopoldo Petreanu. Mais ainda, os investigadores observaram que existiam sensações que aconteciam antes do movimento, poucos segundos antes, como numa espécie de memória do que tinha acontecido. "Os ratos mexem os bigodes e tocam o objecto várias vezes. O que vimos foi que, após o primeiro toque, antes mesmo de ele tocar o objecto e do sinal relativo ao movimento já existia um sinal associado à sensação que ele tinha tido antes".

Estas observações podem vir a ser úteis no estudo de algumas doenças neurológicas, admite o cientista, que aponta para "doenças onde estes circuitos e cabos parecem estar danificados, como autismo, ou esquizofrenia". "A comunicação entre áreas cerebrais é muito importante e não sabemos nada sobre isto. É importante conseguir medir esta comunicação. Acredita-se que esta comunicação entre as áreas do córtex falha em muitas doenças, nomeadamente neurológicas. Perceber como funcionam e o que dizem entre si é importante".

O próximo passo é perceber como toda esta informação transmitida é organizada na região que recebe a mensagem. "Todos estes sinais estavam misturados. Se olhar para os axónios é uma autêntica confusão, como se fosse um monte de fios de esparguete. São sinais que estão muito próximos uns dos outros. Estamos a tentar perceber como é que a área que recebe estes sinais organiza isto tudo de forma a fazer sentido", avança o investigador.

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