E se houvesse uma denominação de origem para as ervas aromáticas do país?

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Os desejos de Luís Alves sempre foram maiores do que os três hectares que cultiva em Gaia. Produtor de ervas e de novos produtores, este portuense busca novas formas de valorizar estas plantas.

A infusão de Lúcia Lima do Cantinho das Aromáticas - Colheita de Verão é bem melhor do que a bebida preparada com as ervas colhidas na mesmíssima Quinta do Paço, em Vila Nova de Gaia, na Primavera - mas também do que outras feitas com plantas compradas em França, no Norte de África ou na América Central, de onde nos chegou a Aloysia tripholia, também conhecida por limonete. Descobriu-o Luís Alves, numa prova cega feita num dia de Inverno de 2010, na empresa do broker holandês Tom Vink, o cliente que, nos últimos anos, se tornou num amigo do agricultor português e que, a partir dele, passou a comprar ervas aromáticas a vários produtores portugueses.

Desde aquela prova que Luís anda a desafiar as universidades portuguesas para definirem as características que distinguem as plantas produzidas em Portugal - que têm mais sol do que as de França e mais água do que as de África, por exemplo - de modo a viabilizar a sua comercialização com selo de origem, o que poderia valorizar um produto biológico que, neste momento, quando chega ao armazém de Vink no sudeste de França, é misturado com o de outras proveniências.

Encontrar forma de identificar a origem do produto e a composição quimíca - ao nível dos óleos essenciais - que as distingue poderia ajudar a valorizar a produção portuguesa. Há anos que Luís Alves, quase a entrar nos 40, anda a plantar na cabeça de dezenas de pessoas a vontade de seguir os seus passos e, na verdade, o seu esforço nem tem sido inglório, já que começa a desenhar-se uma pequena fileira neste subsector da agricultura de que ninguém falava há anos, ainda que pelo país fora já existissem meia dúzia de produtores.

Luís Alves é tanto um agricultor como uma planta-mãe como as que podemos ver na Quinta do Paço, à qual se retira uma estaca para plantar noutro local. Se em 2010 foi entregar uma encomenda a Tom Vink num pequeno camião com o seu sócio, hoje exporta camiões maiores, que enche com a sua produção e a de outros que ajudou a lançar. Uma logística partilhada que é mais compensadora para todos. Entregam mais vezes por ano e, logo, recebem mais vezes por ano. Um caso estranho, em que a alma do negócio é a ausência de segredos. História de alguém que, pelo meio, ainda tem tempo para formar jardineiros pela televisão - nas manhãs da RTP, quinzenalmente - ou em inúmeros workshops por esse Portugal fora.

Pode ser limonete - bela Luísa é outro nome, e bem bonito - estragão francês, mangerona, mangericão ou o nosso, endémico, tomilho bela-luz, que este ano conseguiu exportar pela primeira vez. Podem ser muitas outras espécies - ele já chegou a vender 150, das proveniências mais díspares. Redescoberta a dieta mediterrânica, as plantas aromáticas estão lá. E mesmo a moderna gastronomia, aberta a outras mundividências da boca, não as dispensa. E as ervas, de tão resistentes e benevolentes com os impreparos de muitos jardineiros de cidade, entraram por muitas varandas dentro e, ali ao lado, acabaram nos pratos de cada um de nós. Uma sorte. Para quem as produz e para quem as consome.

O gado na cidade

Luís Alves percebeu há muito que isto das ervas, mais do que uma necessidade dos clientes, é uma experiência que eles, se não a desejam, passam a adorar. É por isso que, numa simbiose perfeita com o proprietário da Quinta do Paço - historicamente associada a Pedro e Inês, que aqui chegaram a viver -, o Cantinho foi sempre um espaço aberto: a quem queira passear, cultivar, colher, provar ou simplesmente comprar. Assim angariou clientes, amigos - como o casal de Lisboa que atravessou meio país, com o filho pequeno, para passar uma tarde a colher as flores lindíssimas de perpétua-roxa. A planta, cuja infusão é imprescindível para quem vive da voz, é a sua coqueluche deste ano, como se pode ver na foto ao lado.

O espaço que lhe é dedicado é pequeno, mas "este é o maior campo de perpétua-roxa do país", afirma, numa maneira de dizer que, por cá, ela não é uma aposta. É uma experiência dele, em cima das outras experiências que o fazem mover. Depois de anos a exportar ervas a granel, apoiado nessa relação de absoluta confiança com o broker Tom Vink, este agricultor vai pela primeira vez vender lá fora a sua marca própria, que já comercializa no mercado nacional. As embalagens de diversas ervas do Cantinho das Aromáticas, disponíveis online e nas prateleiras de várias lojas gourmet do país, vão entrar no "exigente" mercado suíço. E se tiverem sucesso ali, acredita, outras portas se abrirão.

Esta nova aventura pede-lhe mais tempo e atenção. E depois de anos a correr de um lado para outro, a dar formação, a fazer televisão, a visitar feiras internacionais e produtores por cá, Luís Alves tem ganas de parar um pouco, e concentrar-se na quinta, onde há um lago que ele construiu - um stopover de aves migratórias várias - e o gado barrosão pasta, ignorando que, ali a quilómetro e meio está o mar, e que as Terras do Barroso são bem longe. A cidade está ali ao lado, mas é fácil esquecermo-nos disso, sentados no seu novo salão de chá em que o cheiro das ervas secas, ou das infusões acabadas de preparar, nos amansa a pressa. A nossa, pelo menos.

Cantinho das Aromáticas

Fundada em 2002, a empresa tem uma dupla vertente de viveirismo e de produção e secagem para exportação, de várias espécies de ervas aromáticas. Fica na Rua do Meiral, 508, em Canidelo, Vila Nova de Gaia. E está também em www.cantinhodasaromaticas.pt, que além de loja online tem um blogue, de Luís Alves, com muitos conselhos práticos sobre o cultivo destas plantas.

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