Para memória futura

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A peça inclui histórias e testemunhos recolhidos junto dos moradores JOÃO TUNA

Esta É a Minha Cidade e Eu Quero Viver nela consiste num percurso pelo casco velho que circunda o mosteiro beneditino da Vitória, durante o qual são apresentadas sete cenas, por sete actores, em sete itinerários diferentes, ora nas ruas, largos e jardins, ora no interior de algumas casas e estabelecimentos da zona, e umas vezes em andamento, outras vezes parados.

O trabalho parte de um dispositivo experimentado em Lisboa, mas adaptado e reescrito para o Porto. Esta versão inclui histórias e testemunhos recolhidos junto dos moradores durante as cerca de duas semanas de criação, mas também outro tipo de fontes, desde textos e canções até imagens e objectos: todo um inventário de coisas que possam ter significado para actores e o público, ao qual é proposto que complete na sua imaginação parte das histórias que aqui começam a ser contadas.

No dia em que assistimos, as pessoas ainda disputavam com os actores a atenção da plateia, discordando sobre o nome das ruas e a verdade dos factos relatados, refazendo a ocupação do espaço cénico conforme lhes apetecia e intervindo na paisagem sonora conforme a necessidade e o desejo. Nada de grave. Os moradores limitavam-se a invocar os anos de residência no bairro, com a vantagem de poderem estar à janela da própria casa, e a comentar para o público ou para os vizinhos tanto o que se estava a passar quanto assuntos particulares e notícias locais.

Talvez não fizesse mal um pouco mais de permeabilidade às reacções espontâneas de espectadores e moradores. Mas, por um lado, o grande objectivo - traçar um novo mapa poético da zona e dar direito de cidadania aos episódios e personagens mais inesperados - pedia uma certa imposição de formas e assuntos. Por outro, a existência de sete grupos a circular não permitia atrasos.

As ruas do Porto, com os seus muros de granito, fachadas de azulejo, obras de cantaria barroca e clarabóias quase escondidas, oferecem ao transeunte uma memória narrada e revivida desde há muito. O espectáculo aposta numa nova versão da história, agora mais quotidiana, mais fantástica, mais cosmopolita. Onde antes havia a história oficial e monumental, a das monografias, guias de viagem e dicas de turismo religioso, ou onde a referência da memória era o passeio mais ou menos romântico do flâneur do séc. XIX e o espírito mais ou menos ausente de Garrett ou Camilo, criam-se novas fábulas, apresentadas por figuras excêntricas e misteriosas, que nos dão a ver outro Porto. Apropriando-se do território pelo simples acto de contar histórias, estes outros fantasmas assombram bem a cidade, ou pelo menos a freguesia da Vitória, reclamando esta terra como sua, sem deixar de a relacionar com o mundo exterior de que a Invicta sempre foi uma antena.

Vá ver e invente a sua própria história.

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