O Vinho Verde será maduro?

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Prefere verde ou maduro? Quantas vezes já ouviu esta interrogação ou proferiu tal pedido? O comentário é recorrente e costumeiro, sobretudo no universo da restauração, tendo-se com o tempo transformado em discurso rotineiro nos nossos usos e costumes. Faz parte das convicções inabaláveis da nossa cultura, das certezas absolutas do nosso imaginário, tendo-se transfigurado numa das evidências do nosso saber colectivo. Seguramente que já foi confrontado vezes e mais vezes com esta interpelação e que certamente a resposta sai pronta e segura, sem hesitações quanto à substância. Por vezes sentimos maior inclinação para beber um verde, por vezes preferimos antes eleger um vinho maduro...

E no entanto, apesar de poucos o perceberem, a pergunta é completamente descabida, errónea e sem qualquer fundamento lógico que a possa justificar ou sequer fundamentar. Tal distinção, entre vinho verde e vinho maduro, não tem hoje qualquer suporte ou fundamento, apresentando-se como uma injustiça atroz para com os vinhos brancos e tintos da região do Vinho Verde. Ao sugerir implicitamente que os vinhos da região são elaborados com uvas que não atingiram a plena maturação estamos a condenar a região do Vinho Verde a um estatuto de menoridade, colocando os vinhos da região num patamar pouco abonatório na hierarquia do vinho português.

Há que dizê-lo com voz clara, Vinho Verde não é um estilo de vinho mas sim o nome de uma região demarcada, uma DOC (denominação de origem controlada). Sim, é verdade que num passado já longínquo, num passado que data da reconquista cristã e que se estendeu até meados das décadas de sessenta e setenta do século passado, o vinho da região era por vezes elaborado com uvas colhidas menos maduras, vítimas da forma original e alternativa de cultivar as uvas que a região adoptava na época.

Por a dimensão da propriedade média ser muito reduzida, raramente superando o meio hectare por família, as vinhas foram obrigadas a compartilhar o pouco espaço disponível com as restantes culturas essenciais para a sobrevivência das famílias, o milho, batatas, couves e demais produtos hortícolas. Para obviar a propriedade tão reduzida, as famílias recorriam a métodos de condução da vinha alternativos que forçavam a vinha a elevar-se do solo em direcção ao céu, favorecendo métodos como as uvas em enforcado, rodeando e abraçando as árvores, ou a latada, plantando a vinha nas bordaduras dos campos e lançando os seus ramos em redor de postes altos que forneciam uma sombra retemperadora, permitindo assim libertar muito do espaço tão precioso no solo.

Hoje, porém, e desde há mais de três décadas, a realidade mudou por completo. As vinhas são conduzidas como em qualquer outra região, em espaldeira e com conduções em tudo semelhantes à das restantes denominações nacionais, proporcionando uvas tão maduras quanto as vindimadas em qualquer outra região nacional. Da mesma forma que existem regiões que se apelidam Bairrada, Alentejo, Douro, Dão, Tejo ou Lisboa, existe uma região demarcada que tomou o nome de região do Vinho Verde.

O nome caracteriza de forma fiel a paisagem do Minho, a região mais verde de Portugal, a de maior índice pluviométrico, a mais fresca e viçosa do Portugal continental. É apenas um nome de uma região, sem qualquer significado quanto à maturação da fruta. Faz tanto sentido dizer Vinho Verde como o nome de qualquer outra região demarcada de Portugal. Tal como em todas as outras regiões demarcadas de Portugal, na região do Vinho Verde fazem-se vinhos brancos, rosados, tintos e espumantes.

Diferenciar o universo do vinho em vinhos maduros e verdes é desde há muito uma incongruência sem sentido. Sugerir e distinguir entre um Vinho Verde ou um branco maduro faz tanto sentido como sugerir e distinguir entre um Dão e um branco maduro. Se não nos passa pela cabeça a última distinção, porquê insistir na separação entre a região dos Vinho Verdes e as restantes denominações de origem?

Que os vinhos apresentam um estilo único é uma evidência que apenas confirma a bondade da criação da região demarcada. Os brancos são por regra leves, frescos, minerais, de acidez viva, pouco alcoólicos, pouco encorpados, florais, particularmente bem adaptados aos calores do Verão. Nos melhores episódios, particularmente no caso dos brancos elaborados com as castas Alvarinho, Loureiro e Avesso são vinhos extraordinários de tremenda elegância e harmonia. Os tintos são por regra igualmente acídulos, por vezes taninosos e agressivos. Nos melhores casos, que felizmente são cada ano mais vulgares, são elegantes, secos, minerais e frutados. Por último, surgem os vinhos espumantes da região, uma das apostas e esperanças fundamentais da denominação que, quem sabe, poderão um dia vir transformar-se num dos ex-líbris da região.

Vinhos distintos na personalidade? Sim! Vinhos de um estilo inconfundível que retratam com rigor a região de origem? Sim! Vinhos leves e refrescantes? Sim! Mas todos eles vinhos maduros, feitos de uvas sãs, em bom estado de maturação, vinhos modernos e recomendáveis que nada devem aos restantes vinhos portugueses.

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