Conversão de IGCP em empresa dá excepção salarial aos administradores

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Gestores do IGCP vão poder optar pelo salário que receberam nos três anos anteriores à sua nomeação Ricardo Silva

Finanças tinham garantido em Junho que a remuneração dos três gestores ficaria limitada ao salário do primeiro-ministro, mas os estatutos publicados ontem confirmam que vão escapar a esta regra

Quando o Governo decidiu converter o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP) em empresa, no início de Junho, o Ministério das Finanças garantiu ao PÚBLICO que tal alteração não iria aumentar a remuneração dos administradores. No entanto, os estatutos da entidade, ontem publicados em Diário da República, mostram o contrário. Em vez de ficarem limitados ao salário do primeiro-ministro, os três gestores vão ter direito à média de vencimentos que auferiram nos últimos três anos.

Nos estatutos que ontem foram divulgados, praticamente três meses depois da aprovação, refere-se que "a remuneração dos membros do conselho de administração é fixada por despacho do membro do Governo responsável pela área das Finanças (...) sendo aplicável o n.º 8 do artigo 28.º do Estatuto do Gestor Público". Trata-se precisamente da alínea em que é permitido pagar aos gestores "a remuneração média dos últimos três anos do lugar de origem".

Este regime, que só tinha sido atribuída até aqui a três empresas (RTP, Caixa Geral de Depósitos e Empordef), foi criado para empresas consideradas "em regime de concorrência de mercado". Na prática, os seus administradores ficam com direito aos salários que receberam nos três anos anteriores à nomeação para o cargo, desde que haja autorização das Finanças.

João Moreira Rato (presidente), Cristina Casalinho e António Pontes Correia (vogais) serão os três novos nomes a usufruir deste estatuto, no IGCP. Antes de ser nomeado, Moreira Rato era director do Morgan Stanley e Cristina Casalinho era economista-chefe do BPI. Pontes Correia é o único que já estava no instituto, como vogal do conselho presidido, até Março, por Alberto Soares.

Quando a conversão do IGCP em empresa foi decidida, o PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre os impactos da medida na remuneração dos seus administradores. Isto porque, enquanto instituto, não poderia pagar mais do que o salário auferido pelo primeiro-ministro. Ou seja, 6850,24 euros por mês. Foi este o limite que ficou definido aquando da revisão da Lei-Quadro dos Institutos Públicos e do Estatuto do Gestor Público, no início deste ano (ver caixa).

Finanças negaram aumento

Em resposta, a tutela afirmou que "os estatutos do IGCP em vigor [até à altura] já equiparam os membros do conselho directivo a gestores públicos de empresas do grupo A", a classificação mais elevada. E, "sendo assim, a alteração (...) não acarreta qualquer aumento de remuneração". Se, de facto, tivesse sido mantida a classificação A, não haveria alterações. Mas não foi isso que aconteceu.

Em meados de Junho, o ministro das Finanças foi inquirido sobre o tema, durante uma audição no Parlamento. Em resposta a uma pergunta sobre o possível aumento dos vencimentos no IGCP com a transformação em empresa, Vítor Gaspar respondeu: "Não existe aumento de despesa com as remunerações dos dirigentes do IGCP e não quer ser mais preciso do que fui neste momento".

Confrontada com estas declarações, a tutela respondeu que, tanto os esclarecimentos de Junho, como as afirmações do ministro se reportavam à comparação com o salário auferido pelo conselho liderado por Alberto Soares, cujo vencimento não foi possível apurar por não ter sido divulgado no site do IGCP. "Face à equipa de gestão anterior, o montante total de remunerações será reduzido", explicou ontem o ministério.

Porém, na resposta que as Finanças deram ao PÚBLICO em Junho, referia-se claramente que o instituto seria integrado no grupo A. Ontem, a tutela explicou que esta excepção tem como justificação "as especificidades do IGCP enquanto instituição financeira". E afirmou que "a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional foram consultados sobre o diploma de criação do IGCP EPE".

Além da questão dos salários, a conversão do IGCP em empresa também gerou surpresa porque o Governo está impedido pelas autoridades externas de criar novas entidades no Sector Empresarial do Estado (SEE). No Memorando de Entendimento assinado com a troika, Portugal inibiu-se de criar novas empresas públicas até que fosse aprovada a nova lei de governação destas entidades.

Esse diploma, que definirá as novas regras de gestão do SEE, deveria ter sido submetido ao Parlamento até Julho, mas ainda nem sequer foi aprovado em Conselho de Ministros. O PÚBLICO sabe que estaria para ser discutido no último encontro, na passada quinta-feira, mas não avançou. Em Junho, as Finanças argumentaram que a decisão não contrariava o memorando, porque não se tratava da criação, mas sim da transformação do instituto.

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