“A Virgem de Fátima muda de cor com a temperatura”

Mongolia, uma “revista satírica sem qualquer mensagem", desafia a crise e triunfa em Espanha (apenas em formato papel). Põe meio país a rir e uma pequena parte - rei, Mariano Rajoy e seus ministros incluídos - de cabelos em pé

Capa da edição de Julho/Agosto
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Capa da edição de Julho/Agosto
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Capa de Maio
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Capa de Maio

Não fosse o facto de ainda não se terem refugiado na embaixada do Equador e a denominação de “WikiLeaks” espanhola caía-lhes que nem uma luva. A Mongolia não é uma revista, é um país. É Espanha em modo satírico e um país cáustico à beira do abismo - muito à frente de Portugal, dizem eles. O P3 falou com os criadores “mongóis”. E ficou a saber que adoram o nosso país, sobretudo a parte mais a norte: Corunha, Orense e [Santiago de] Compostela. Os pastorinhos de Fátima que se cuidem.

  

Como nasce a ideia de criar a Mongolia? 

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Contra-capa do número 4 da revista Mongolia

A Mongolia começa a idealizar-se em Março de 2011 como um projecto de vários amigos que já editavam “Viernes peronistas”, uma fanzine sobre o movimento político mais apaixonante e louco do século XIX do ponto de vista “pop”. A partir daí, e até à publicação do nosso primeiro número a 23 de Março de 2012, acontecem várias coisas: a revista, já de periodicidade mensal, surge num tom similar ao satírico “Barcelona”, da Argentina, e ao “Canard Enchaine”, de França, combinando uma parte completamente humorista (no nosso caso, 32 páginas de comédia) com uma completamente real (“Reality News”, cheia de reportagens e exclusivos).

Como definem o vosso projecto?

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Contra-capas da revista

Mongolia é uma resposta pequena, pequeníssima, uma voz no deserto que são os meios de comunicação espanhóis, que grita: “No, hostias, no”. Sai da revolta de seis pessoas (o editor, Gonzalo Boye; os humoristas, Eduardo Bravo, Darío Adanti, Fernando Rapa y Eduardo Galán; e o encarregado das notícias reais, Jaume Ochirbat) com a situação actual do nosso país onde, por sistema, se culpabiliza as vítimas da crise (funcionários, imigrantes, pobres, médicos, desempregados, independentes...) e persegue-se, numa acção comandada pelo presidente do Governo, até à exaustão. Coisa que, por outro lado, não acontece, nem com as grandes fortunas, nem com os bancos nem com os poderes estabelecidos (igreja, banqueiros, aristocracia...).

Começaram o projecto em tempo de crise. Esse é um dos motivos para a existência da Mongolia?

Claro. Todos tínhamos sofrido pessoalmente a consequências da crise até ao ponto de ter de abandonar os meios de comunicação onde trabalhávamos.

De onde veio o nome da revista?

Há muitas versões, como em todas as boas histórias. Versão 1: foi uma ideia do Teo, o filho do Fernando Rapa, enquanto brincava com um globo. Versão 2: é devido a uma notícia publicada nos anos sessenta que dizia que graças ao voto da Mongólia, Espanha entrou para a ONU. Por isso, concluímos que, se a Mongólia nos meteu neste problema, que nos tire. Versão 3: vários macacos bateram no teclado aleatoriamente durante três anos e a primeira palavra em espanhol que saiu foi Mongolia. Decide tu.

Por que tipo de notícias se interessa Mongolia?

Em termos humorísticos, por qualquer uma que nos venha à cabeça. Mas na parte de notícias reais impõe-se o rigor, a investigação e actualidade. Nessa parte, falamos das ligações da banca com a monarquia, o Governo, os meios de comunicação social ou os partidos; falamos dos negócios que prosperam à volta do Rei; ou das ligações no nosso Ministro do Ambiente, Arias Cañete, com empresas privadas directamente relacionadas com o seu ministério.

Têm uma rede grande de pessoas a enviar-vos informação?

Sim. Temos jornalistas de meios estratégicos como o El País, ABC, La Razón, COPE e El Mundo que nos oferecem reportagens que não podem publicar. Nós fazemos uma selecção e só publicamos os temas que são sujeitos a um trabalho rigoroso, actual e interessante.

E a censura? É mais externa, autocensura ou não existe?

Na Mongolia só existem dois tipos de limites: o legal e o de, chamemos-lhe assim, bom gosto. O legal não precisa de muita explicação, o de bom gosto consiste em fazer muitas piadas sobre os poderosos, sobre as pessoas responsáveis por estarmos nesta situação. Se vemos que o foco se está a afastar disso, é momento de nos livrarmos dessa piada e começarmos de novo.

Podemos chamar-vos a WikiLeaks espanhola, mas em modo satírico?

É um bocadinho demais porque ainda não nos refugiamos na embaixada do Equador. Mas descobrimos coisas tão importantes como o facto de a Madre Teresa de Calcuta realmente acreditar no monstro do esparguete voador, que Rajoy está a desintegrar-se ou que existe um americano que se chama Bill Laden que nos lixou a vida. No caso das notícias reais, aí sim, trata-se de imitar a filosofia de Assange: revelar dados ou práticas que não são conhecidos e que achamos essencial serem conhecidas do público. Agora, isto sim, fazemos sempre sexo com preservativo, queiram elas ou não.

Optaram por uma revista só em papel. Isso também foi uma piada e uma crítica aos meios de comunicação que profetizam a morte do papel?

Em parte sim. Como diz o nosso editor, o papel foi dado como morto sem ninguém ter feito a autópsia. Além de um apoio a esse suporte, que serve para ler colunas de Vargas Llosa ou de papel higiénico (o que é o mesmo), achamos que num meio de comunicação pequeno e independente a saída para o mercado digital ainda é muito complicada. Como somos muito burros, apostamos no “vocês compram um, eu tenho um benefício” em vez do “clico num banner e vou dar a um site porno”.

A capa da primeira Mongolia dizia “Espanha tem uma saída (Barajas)”. Passados seis meses, Barajas ainda é a única saída?

É claramente uma ironia e uma piada (muito) boa. A nossa filosofia nunca foi essa (está à vista!), mas antes a resistência, ainda que entendamos que para muitos espanhóis, incluindo nós no futuro, Barajas seja a única saída. Mas bem, será por aquilo que diz Mariano Rajoy: porque merecemos, somos uns preguiçosos e vivemos acima das nossas possibilidades, gastando o que não tínhamos.

Para quando uma edição portuguesa de Mongolia?

Gostaríamos muito. Somos fãs de Portugal, adoramos o vosso país, especialmente a parte norte: a Corunha, Orense e [Santiago de] Compostela.

Quem sairia vencedor num duelo de bons temas para a Mongolia: Portugal ou Espanha?

Lamentamos decepcionar-vos, mas os carros de lixo que existem em Espanha não são imagináveis em Portugal. Vivemos num país muito rico para o humor, com uma direita (que é o mesmo que dizer, com a maior parte dos nossos partidos políticos) muito propensa para ser objecto de comédia (além de dar muito, muito medo).

Qual seria o tema da primeira capa de uma Mongolia versão portuguesa?

Fátima. Gostávamos de ter sido esses pastorinhos analfabetos que viram uma mulher baixar do céu e prometer-lhes que ia haver confusão da grossa. Adoramos a ideia louca de que para resolver esta coceira nas virilhas só precisamos de chegar perto de um tronco de madeira com uma grande coroa. Propomos-te uma capa: “A Virgem de Fátima muda de cor com a temperatura.” Ui, este título é bom... já para o número seguinte.

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