Ameaças na Internet e nos telemóveis levam milhares de indianos a fugir

Foto
Milhares de indianos disputam um lugar nos comboios sobrelotados com destino a Assam Rupak De Chowdhuri/Reuters

As autoridades indianas já bloquearam 245 sites e pediram que seja controlada a publicação de mensagens provocatórias nas redes sociais, mas as ameaças contra migrantes oriundos do estado de Assam, no Noroeste da Índia, continuam a espalhar o caos.

Muitos recebem mensagens nos telemóveis, outros sentem-se ameaçados por conteúdos colocados na Internet e temem um ataque de grupos radicais muçulmanos no final do Ramadão. Por isso, fogem das cidades onde trabalham no Sul da Índia, como Bangalore ou Bombaim, deixam para trás as casas e os empregos e regressam à terra natal em Assam. Só nos últimos dias fugiram de Bangalore e Bombaim mais de 35.000 pessoas, segundo vários jornais locais.

As ameaças serão uma resposta à violência em Assam, onde confrontos entre muçulmanos e membros da tribo Bodo, que junta elementos do hinduísmo e do cristianismo, causaram nas últimas três semanas pelo menos 80 mortos e obrigaram mais de 400.000 pessoas a abandonar as casas, segundo as autoridades indianas.

O Governo indiano já afirmou que muitas das mensagens que agora estão a provocar o êxodo de milhares de pessoas têm origem no Paquistão e adiantou que irá apresentar provas às autoridades paquistanesas. “Não sabemos quem está por detrás. Dizer se uma organização está ligada às ameaças é difícil. Mas algumas fotografias têm nomes de uma ou duas organizações no Paquistão”, disse aos jornalistas o ministro do Interior indiano, RK Singh.

As ameaças disseminaram-se durante o passado fim-de-semana, chegaram em forma de fotografias ou vídeos com promessas de vingança pelo que tem acontecido em Assam. Espalharam rumores e medo. O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh já defendeu que os autores dos rumores devem ser punidos porque estão a pôr em causa “a harmonia da comunidade”.

Biplab Narzari, segurança em Bangalore, não esperou para saber se as ameaças seriam reais. “Deixei o meu trabalho, deixei a minha casa, deixei tudo para salvar a minha vida”, contou ao diário espanhol El País. Ele e milhares de outras pessoas de etnia Bodo regressaram a Assam, já junto à fronteira com o Bangladesh e o Butão, depois de terem recebido ameaças.

A verdade é que Narzary nem esperou que lhe fosse dirigida qualquer mensagem. “Não recebi nenhuma ameaça directa, mas supus que existiam. Todos os meus amigos estavam a voltar a Assam e decidi fazer o mesmo para não ficar sozinho e mais vulnerável”, contou à correspondente do El País quando já tinha deixado para trás três comboios sobrelotados e chegado a Guwahati, a capital do estado de Assam. “As condições no comboio eram terríveis. Faltava água e comida. Estávamos aterrorizados e temíamos um ataque”. Pelo caminho, adiantou, morreram quatro pessoas e nove ficaram feridas depois de terem sido esfaqueadas e lançadas da carruagem em andamento.

Sites bloqueados e mensagens de telemóvel limitadas

Perante aquele que está a ser considerado um dos maiores êxodos na Índia, as autoridades ordenaram o bloqueio de 245 sites, mas também limitaram o envio de mensagens de telemóvel a cinco por dia, o que causou uma forte indignação, sobretudo entre os mais jovens.

O Ministério da Comunicação indiano anunciou que está a debater com as empresas a que pertencem várias redes sociais uma forma de impedir a disseminação das mensagens de ódio que têm gerado o pânico e apelou aos responsáveis do Facebook e do Twitter para removerem “conteúdos inflamatórios”. A Google referiu-se a esta questão ao salientar, em comunicado, que todos os conteúdos a incitar à violência são proibidos nas suas plataformas, incluindo o site de publicação de vídeos YouTube. E adiantou: “Compreendemos a gravidade da situação e continuaremos a trabalhar com as autoridades competentes”.

As medidas do Governo foram contestadas, por vezes com acusações de censura. “Bloquear o envio de SMS é estúpido. As pessoas não estão a fugir por causa dos SMS mas porque percebem que a ameaça é real”, disse à Reuters Babloo Loitongbam, da organização Human Rights Alert.

Em Março os Repórteres sem Fronteiras alertaram para o facto de as autoridades indianas estarem a aumentar a pressão sobre os fornecedores de acesso à Internet para que divulguem dados pessoais dos utilizadores. A Google confirmou, por outro lado, que no último semestre do ano passado aumentaram 48% os pedidos provenientes da Índia para a remoção de conteúdos.

“O Governo é pela liberdade de informação, não há nada a ser censurado aqui”, disse à Reuters um responsável do Ministério do Interior Indiano que não foi identificado. “Mas isso não significa que não haja limites”, adiantou.

Os confrontos por motivos religiosos no Nordeste da Índia são já de longa data, mas intensificaram-se a 29 de Maio, quando no distrito de Kokrajhar, de maioria Bodo, um grupo de muçulmanos convocou uma greve depois de ter sido removido um letreiro de uma mesquita que o grupo maioritário garantiu estar em território ilegal. O Governo local proibiu a greve, houve confrontos e pelo menos uma dezena de feridos.

Mais de um mês depois, a 6 de Julho, foram mortos dois muçulmanos no mesmo distrito, e a 19 de Julho quatro Bodos foram assassinados numa região de maioria muçulmana, o que deu origem a uma série de confrontos que, desde então, já causaram cerca de 80 mortos.

Notícia corrigida no dia 22-8-2012, às 7h30

Mumbai substituída por Bombaim.

Sugerir correcção
Comentar