Professores protestam na Internet, para já não confiam em manifestações
"É natural que os professores estejam alheados, pois tem aumentado a falta de confiança nos representantes políticos e sindicais. Há uma descrença muito grande nos nossos representantes e as pessoas estão cansadas de sucessivas desilusões", justifica Nuno Domingues, professor contratado e autor do blogue Educar a Educação. André Pestana, também contratado e dirigente do movimento independente de docentes 3 R"s, corrobora: "Muitos colegas sentem que se não conseguimos ganhar em 2008 com 120 mil professores nas ruas, será impossível agora". A solução, defende, passará também por encontrar uma "alternativa aos actuais dirigentes sindicais, que estão nestes cargos há mais de 20 anos".
Arlindo Ferreira, autor do blogue DeArLindo e dirigente da Federação Nacional de Educação, admite que os professores "deixaram de acreditar nas acções de rua". Aponta, contudo, outra razão para a desmobilização: "As medidas que estão a ser adoptadas pelo ministério não se dirigem a todos os docentes de idêntica forma". O exemplo mais evidente, sustenta, é o dos professores contratados, que estão em risco de não ter lugar nas escolas no próximo ano lectivo. "Sendo os que mais razões têm para lutar, quase desistiram de o fazer e, em muitos casos, já se encontram de "malas feitas" para abandonar o país ou a profissão docente", indica.
Apesar de ser dirigente do Sindicato dos Professores do Norte, afecto à Fenprof, João Paulo Silva, um dos autores do blogue Aventar, partilha algumas das críticas feitas à actuação dos sindicatos, mas acrescenta outra pista: "A maioria dos professores votou neste Governo, o que agora funciona como uma condicionante. Sentem que, de alguma forma, têm responsabilidades na situação". A propósito, o professor lembra que o actual ministro Nuno Crato "foi muito bem recebido" pelos profissionais.
Paulo Guinote, autor do blogue A Educação do Meu Umbigo, aponta também "os poucos resultados" alcançados com as manifestações de 2008/09 como uma das razões para a desmobilização docente. E junta-lhe outros factores. "O medo, que voltou a estar presente, passando por questões de pura sobrevivência profissional que potencia atitudes ultradefensivas e a espera que alguém resolva o problema com um passe de mágica". Foi o que constatou, por exemplo, com muitas das reacções à recente reunião de autores e colaboradores dos principais seis blogues de docentes, realizada a convite de Nuno Domingues.
Reforçar papel dos bloguesOs autores também ajudaram, ao anunciar nos respectivos blogues que nada iria ser como antes na educação. Houve quem interpretasse que iriam fazer a "revolução" ou, mais prosaicamente, encontrar uma solução com Nuno Crato, quando afinal, sustentam, o objectivo deste encontro foi apenas o de se "conhecerem pessoalmente e falarem sobre educação". Objectivo a prazo, segundo Guinote: "reforçar o papel dos blogues no esclarecimento e apoio a colegas". Para este docente é a opção certa, uma vez que considera "mais eficaz a demonstração clara de argumentos à palavra de ordem rimada ou gritada nas ruas".
Mas, por outro lado, acrescenta, não acredita que a movimentação nas redes sociais e na blogosfera venha a produzir "a capacidade de mobilização de outrora". O que justifica, em parte, por na sua origem estarem "movimentos que forçam uma identidade mais "divisiva" e com acusações a quem não adere aos seus princípios".
Já André Pestana parece mais confiante. "Tudo é possível quando teremos em Setembro o maior despedimento colectivo da história", afirma, referindo-se ao provável afastamento de milhares de professores contratados, ditado pela redução dos horários disponíveis e pelo aumento brutal do número de professores do quadro que, por não terem componente lectiva nas suas escolas, são obrigados a concorrer a outras, tendo prioridade na colocação.
Ausência de acção?Na semana passada soube-se que eram 13.360. Arlindo Ferreira, que é um deles, sustenta que é preciso esperar pelo próximo ano lectivo, quando se verificar in loco o que vai suceder, para se assistir a "níveis de insatisfação mais elevados". Nuno Domingues duvida, contudo, que "as grandes manifestações só de professores voltem a existir". O que não significa ausência de acção. "O que mais temo é que a revolta se acerque das pessoas e as manifestações deixem de ser organizadas. O desespero pode levar a isso", alerta.
No próximo dia 9, será lançada uma nova plataforma pela Educação, que juntará docentes a título individual, como João Paulo Silva, com movimentos como os 3 R"s, entre outros. Prometem uma iniciativa por semana, muitas vezes na Internet, em prol de três objectivos, também já eleitos pela Fenprof como prioritários: a suspensão da revisão curricular e dos mega-agrupamentos e a vinculação dos professores contratados. João Paulo Silva garante que não pretendem vir a ser uma alternativa aos sindicatos. "Estamos aqui para acrescentar e não para dividir".
O professor está quase sempre on-line. A Internet permite que a informação chegue muito mais longe e ele não se coíbe de a utilizar, mas diz que a sua experiência recente mostrou-lhe que nada é mais eficaz na mobilização para a acção do que o contacto pessoal, face a face, nas escolas. Por ele vai continuar. Porque, segundo diz, a contestação pode assumir muitas formas e estar em muitos lados, mas "há um momento em que temos de ir para a rua".