Um Peixe que nada na sombra

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Com o mundo pop português excitado com o regresso dos Ornatos Violeta, um dos membros da banda lança um discreto disco de guitarra, "Apneia"

Daqui a poucos dias terá Paredes de Coura aos berros, em Outubro terá os coliseus de Lisboa e do Porto à pinha. São os dias anteriores ao regresso dos Ornatos Violeta aos palcos e esperamos ansiedade, muitos ensaios, telefonemas, entrevistas. O que faz Peixe, o guitarrista da banda portuense? Lança um discreto disco de guitarra, estreando-se a solo como quem não quer a coisa.

O timing só será estranho para quem não conhecer o que Pedro Cardoso tem vindo a fazer desde os Ornatos. Nunca parou, mas, com excepção dos Pluto, esteve longe das atenções. Mas sempre muito activo, compondo para outros, experimentando com os seus Zelig ou envolvendo-se nas actividades do serviço educativo da Casa da Música.

Já fez canções (e adora-as), mas agora interessa-lhe mais a música instrumental. "O que me seduz mais agora é experimentar. É evidente que o universo das canções é infinito. Costuma dizer-se que já tudo foi feito na canção. Eu acho que não: a canção pode ser feita de maneiras que nem imaginamos. Mas, apesar disto que disse, sinto-me mais à vontade para criar e experimentar coisas completamente... o que me der na real gana se for música instrumental", diz, em conversa com o Ípsilon no Café Guarany, no Porto.

Apneia é o "filho" de um guitarrista autodidacta, que começou a tocar guitarra aos 14 anos e pouco depois estava numa banda que tornar-se-ia um fenómeno (mais tarde, Pedro estudou música, até andou no Conservatório, mas não fazia questão de acabar os cursos em que se metia). "Se calhar, é o resultado de uma coisa que já vem desde que comecei a tocar guitarra, que é o gosto de tocar guitarra e de compor com a guitarra. Mas a ideia de gravar um disco e tocar a solo é recente", revela.

Um desbloqueador

O projecto é até mais fresco do que a própria composição das músicas. "Comecei a fazê-las quase para me entreter. Gosto de compor, tenho composto para outros grupos. Comecei a ver que já tinha várias músicas prontas e lembrei-me que, se calhar, era uma boa ideia gravar".

No processo, um bar do Porto teve particular importância. O dono do Bordel, quase secreto espaço da Rua de Cedofeita, convidou Peixe para lá tocar guitarra. O Bordel abriu portas quando Peixe começava a redescobrir a guitarra acústica, o instrumento predominante em Apneia.

Pedro aceitou, desde que pudesse aparecer quando quisesse, surpreendendo o público.

"Estava com vontade de tocar guitarra a solo, tocar para pessoas e improvisar, até para ver o que acontecia. Queria fazer essa experiência da forma mais descomprometida possível", conta. A primeira noite correu bem ("toquei umas peças, umas cenas de jazz a solo"), mas a segunda noite foi melhor: "só improvisei e percebi que as pessoas reagiam muito melhor ao que estava a fazer e que eu próprio me sentia mais comunicativo a improvisar do que a tentar reproduzir as peças que toquei da primeira vez. Improvisar dava-me um gozo do caraças".

Pedro estava entusiasmado, mas o Bordel só cumpriria na totalidade a sua função de "desbloqueador" quando Chico, o dono do bar, entrega ao guitarrista uma gravação vídeo de uma das actuações. "Fiquei surpreendido. Havia lá coisas que achei muito fixes", lembra-se. "Olhando para trás, o Bordel foi essencial" para haver Apneia, confessa.

Improvisar revelou-se importante enquanto brainstorm para as peças que Peixe comporia para Apneia, que inclui apenas três improvisações num total de 11 faixas. O álbum é um exercício de contenção: faz-se apenas de guitarras, sem overdubs, com excepção de uma voz gerada em computador, vinda de uma peça de teatro na qual Peixe participou enquanto músico - é colaborador regular do Teatro Bruto, do Porto.

É um disco de estúdio (foi feito em três dias nos estúdios Meifumado, em Mouquim, pequeníssima freguesia de Famalicão) com a intimidade dos discos caseiros, gravados artesanalmente.

Ouvimos até, em alguns momentos, a respiração de Peixe. "Grande parte das respirações que estão lá resultam de a respiração ter sido suspensa. Não são respirações regulares, são bruscas. Resultam de estar há algum tempo em apneia", revela. Foi Miguel Ramos, dos Supernada, que lhe explicou que "há muitos músicos que, em determinadas partes em que se entregam mais ao que estão a fazer, ficam em apneia".

É bem provável que tal aconteça a Pedro Cardoso quando os Ornatos voltarem a pisar um palco, dez anos depois da despedida. Uma forma de fazer a vontade aos fãs (muitos deles só ouviram Ornatos depois de o grupo acabar) e à banda - "sempre tivemos a vontade de fazer isto, mas nunca achámos que era o momento certo".

"Separámo-nos e nos primeiros cinco anos fomos bombardeados com a pergunta ‘Por que é que acabaram?', ao ponto de já não teres paciência para ouvir mais isso. Os segundos cinco anos foi ‘Quando é que vocês voltam?'", contextualiza, a rir-se. "Vai acontecer finalmente. E acho que vai ser fixe".

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