Berlim, cidade de Verão

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Num dia especialmente quente, não é preciso sair de Berlim para tomar banho. Há uma piscina no meio do Spree. Chama-se Badeschiff JOHANNES EISELE/REUTERS

Quem se habituou a pensar a capital alemã como um destino de Inverno, pense de novo. A Berlim que hoje apresentamos é uma cidade cheia de água, de espaços verdes, de esplanadas.

Sair e tomar o pequeno-almoço à beira-rio, ir à piscina para uns banhos, fazer um piquenique perto do mercado com sumo fresco e comida exótica, dormitar, ler um livro, passear de bicicleta pelos jardins com sombra ao lado dos canais, uma bebida de fim de tarde num bar de um pátio interior, jantar numa esplanada e ainda poder acabar a noite perto de onde se começou o dia, num clube à beira-rio.

Por tudo isto, Berlim é uma cidade de Verão. Sim, de Verão, quando o sol convida a ficar na relva (quase um terço da cidade são áreas verdes), andar à beira-rio e nos seus canais (o Spree e oito canais, 7% da superfície de Berlim é feita de água), parar nas esplanadas que de repente estão por todo o lado, à frente dos cafés, bares e restaurantes, ou mais escondidas em pátios.

Esta visita à Berlim de Verão vai começar com algo turco - ou melhor ainda, por algo "grego-entre-turcos". Não há melhor do que isto: o sumo de romã que lembra Istambul, o tzaziki que lembra Atenas. É ao mercado turco, em Kreuzberg, que vamos: está lá todo o ano, mas ganha outro encanto quando o tempo está bom e podemos percorrer as bancas armados com sumos (laranjas cortadas com golpes secos de faca e espremidas no momento, romãs prontas a serem transformadas em líquido num motor de máquina), espreitar os tecidos baratos, especiarias ou legumes, procurar a melhor comida que lá se pode encontrar para depois ir fazer uma refeição na margem do canal.

E isto pode ser polémico mas, para mim, a melhor comida do mercado turco é a do grego. Ok, não é só a comida, é a comida e a simpatia do homem. O grego tem alguns petiscos que os outros também têm, mas tem outras coisas que só ali. Vai do hummus ao tzaziki, das folhas de videira enroladas ao queijo colorido com paprika, camarões com azeite e molho picante, pasta de queijo com cominhos; é tudo delicioso. Na roulotte decorada com a bandeira do seu país, tem também à venda pequenas garrafas de retsina, o famoso vinho branco grego que leva o sabor da resina dos barris (e que não é, definitivamente, algo para todos os gostos).

O grego faz coisas que os outros não fazem. Põe bocadinhos das iguarias em pedaços de pão para nos dar, insiste para que provemos duas ou três coisas, e olha com expectativa para ver se gostámos. Depois de tomada a difícil decisão e escolhido tudo o que queremos levar na caixinha de plástico, o grego ainda junta sempre uns "brindes" - um pouco de tomate seco, umas azeitonas temperadas, qualquer coisa.

A roulotte chama-se mesmo "O Grego", Der Grieche, mas desta vez descobri o seu nome. Hristoforos Triadafillu vive na Alemanha há décadas, já quase não vai à Grécia ("Prefiro ir para a praia em Espanha", conta, numa conversa entrecortada pelos clientes que vão chegando). Ele e a mulher preparam tudo o que está na montra, embora trabalhem noutros locais - ele ainda com a roulotte, ela no grande armazém KaDaWe, para equilibrar o orçamento.

Um grego num mercado turco, um grego na Alemanha. É irresistível perguntar a Hristoforos Triadafillu se hoje em dia haverá melhor lugar para um grego estar. Ele ri-se, mas é rápido na primeira parte da resposta: "Isto não é um mercado turco, é um mercado alemão." Quanto aos alemães e à crise, não tem grandes razões de queixa. "Quase todos os meus clientes são alemães." Mas lá vai dizendo que acha que a Alemanha também já ganhou muito com o euro ("Toda a gente compra Volkswagen") e que assim também tira benefícios de ajudar os países em dificuldades.

Karaoke num anfiteatro

Mauerpark, 17h. Aproximamo-nos e começamos a ouvir um som de multidão de estádio. Há música, quase parece só instrumental. Não, esperem: há uma vozinha a cantar. Não está muito afinada, não se ouve bem entre as portentosas guitarras e baterias e teclados. Mas o público não desarma e aplaude na mesma. É o karaoke no parque.

O Mauerpark é uma das maiores feiras da ladra de Berlim e para quem gosta de grandes mercados deste género é uma paragem obrigatória. Aí é melhor ir de manhã (quem procurar locais mais pequenos poderá preferir a feira na Boxhagener Platz, ou a da Rivaler Strasse, já lá vamos). Mas o Mauerpark tem estatuto de culto e para isso contribui algo que só começa depois do almoço: o karaoke.

A multidão vai-se juntando e ao final da tarde já lá estão centenas e centenas de pessoas - chegarão talvez a umas duas mil-, muitas de cerveja na mão comprada ali ao lado ou com comida vinda de um qualquer fast food (normalmente turco) perto. Há quem cante timidamente e hinos disco como I Will Survive dificilmente escapam ilesos de vozes trémulas e hesitantes; há quem faça um espectáculo total, tirando cintos para dar chicotadas no ar, e refrões como I love rock and roll parecem mesmo sentidos. A multidão aplaude a coragem de todos, bons e maus, que cantam naquele anfiteatro natural.

Mas se os berlinenses adoram levar comida para os parques e fazer piqueniques, há imensos locais onde se pode comer ao ar livre: com os primeiros raios de sol quase todos os bares e cafés têm esplanadas, mais ou menos improvisadas, à beira da estrada ou no pátio. Come-se bem e relativamente barato em Berlim, e há que aproveitar o bom tempo (há quem esteja nas esplanadas quando está mais frio, mas isso exige mantas e por vezes alguma coragem). Ah!, e como a latitude de Berlim é mais a norte, isto significa que anoitece mais tarde também: bom para aproveitar o dia.

Uma das esplanadas que vale a pena visitar é a do Freischwimmer ou a do Club der Visionäre; a primeira para um ambiente mais calmo, a outra com música mais alta e com mais batidas. Estão ambas no final da Schlesische Strasse (a rua que alguns conhecerão por lá estar o edifício Bonjour Tristesse, do arquitecto português Siza Vieira, e outros por lá estarem dois enormes graffiti do italiano Blu), embora já após o final da rua, perto de Treptower Park, um antigo parque de diversões da ex-RDA onde aqui e ali ainda se notam alguns pormenores (uma das duas torres de vigia que ainda existem em Berlim está aqui).

Os bares/esplanadas desta zona estão em antigos barcos-casa e é preciso alguma sorte, se estiver mesmo bom tempo, para apanhar uma mesa à beira da água. É um óptimo sítio para comer qualquer coisa enquanto se olha para os graffiti perto e se vêem pequenas canoas passar o canal. Quem quiser alugar uma, é só dar a volta ao bar e falar com o homem que se encontra nas traseiras do canal. Ele garante que as águas do canal e do rio são calmas e que se pode mesmo sair para o Spree com as canoas.

Para quem prefira ter um guia na viagem, há visitas de canoas a partir de 25 euros por pessoa, mas para já a oferta é apenas em alemão (http://www.derkanutourist.de).

Para os menos aventureiros há, claro, os clássicos cruzeiros de barcos maiores pelo Spree, com percursos diferentes, desde à volta da ilha dos museus a um percurso maior até ao parque Treptower, onde se passa pela ponte de tijolo icónica da cidade, a Oberbaumbrücke, e se podem ver os sinais no meio do rio grafitados com os punhos amarelos do street artist local Kripoe.

Parece algo pouco tentador - os barcos saem de perto de Hackescher Markt, de frente à catedral, ou de Friedrichstrasse, cheios de gente - mas é um passeio de onde se vê uma perspectiva diferente da cidade. Fazer um dos percursos mais longos ainda de dia mas perto do anoitecer, então, dá a Berlim à beira-rio versão dia e versão noite.

Esplanadas escondidas

Berlim tem ainda um enorme número dos chamados "bares de praia". A cidade é arenosa mas ironicamente muita da areia "visível", tanto a dos bares como a que serve para fazer vários dos campos de vólei que também surgem no Verão, vem de praias próximas e não do solo de Berlim.

Um bar de praia com areia e cores da Jamaica (e música a condizer, sim, o óbvio reggae) pode parecer ridículo aos olhos de quem vem de um país com praias a sério. Mas para quem tiver absolutamente de ir a um beach bar (ou strand-bar) em Berlim, talvez uma escolha possível seja o BeachMitte (Caroline-Michaelis-Str. 8, perto da estação Nordbanhof). A "escultura" de Trabants (o carro icónico da antiga RDA), com vários "Trabis" pintados e suspensos, que se pode escalar, torna-o um pouco diferente dos outros. E há ainda campos de vólei de praia perto, para quem quiser experimentar esta modalidade.

Nem só de grandes extensões e de rio vivem as esplanadas berlinenses. Muitos bons restaurantes e cafés têm a sua esplanada ao ar livre, do vietnamita mais popular Monsieur Vuong, em Mitte (mas aqui não se pode ser esquisito, com tanta gente à espera para comer fica-se, em geral, no primeiro lugar que vaga, seja dentro ou fora), ao café-activista Morgenrot, na Kastanienalle, onde se pode comer o buffet de pequeno-almoço vegan-vegetariano nas mesas corridas ao lado de uma banheira que, típico em Berlim, serve de canteiro (é melhor chegar cedo ou ir à sexta-feira ou ao sábado, o domingo é mais concorrido).

As esplanadas escondidas têm um encanto especial - e há tantas por onde escolher em Berlim. Uma das maiores está camuflada atrás de uma fachada com o que parecem ser gigantes lantejoulas, o Prater. O Prater é uma instituição: o mais antigo biergarten de Berlim, uma enorme e muito popular esplanada para comer salsichas grelhadas e beber cerveja.

Há depois as esplanadas dos pátios interiores. Por exemplo, os Hackesche Höfe (pátios de Hacke), em Hackescher Markt, onde há exemplos para todos os gostos, desde um pátio maior, com restaurantes e cinemas tipo multiplex e etc, para gostos mais convencionais, e ao lado, na Haus Schwarzenberg, um pequeno pátio com lojas "alternativas", um mostrengo em lata e um portão com uma enorme colecção da street art du jour, entre graffiti e cut outs (desenhos feitos em papel especial, cortados e colados nas paredes) - e também tem cinema ao ar livre no Verão (muitos filmes em alemão, alguns em inglês). Este é, no entanto, um "alternativo" já um pouco "gentrificado", com preços a condizer. Vale a pena andar de pátio em pátio e acabar na Sophienstrasse, a rua das galerias (estão depois nos próprios pátios da rua). Lá há ainda uma pequena esplanada escondida onde se pode comer flammkuche (ou tarte flambée), apesar de não parecer a comida ideal de Verão (Mittendrin, Sophienstrasse, 19).

Ainda nesta zona, algo só e apenas para quem gosta de absinto: o Absynth Depot (Weinmeisterstrasse, 4). Um gato debruçado sobre um copo invisível anuncia a loja com a perigosa bebida e lá dentro há dezenas de garrafas diferentes de absinto, e também cocktails. Fica a nota para alguém que seja aficionado (já que não houve qualquer prova da bebida). E não é certo que haja um banquinho cá fora para nos sentarmos.

Não muito longe, mas já mais perto de Rosenthalerplatz, outro pátio escondido é o do restaurante vietnamita Chen Che, com lanternas típicas e gaiolas de pássaros a dar o toque oriental. Os vietnamitas de Berlim são muitos; é uma "herança" da antiga Alemanha de Leste, que tinha trabalhadores do também comunista país asiático. Com a queda do muro, alguns vietnamitas continuaram na cidade e há alguns bons restaurantes (cuidado com o combo asiático+sushi, não costuma augurar grande coisa em lado nenhum e aqui não será excepção). O Chen Che é um dos vietnamitas a que vale a pena ir - e não só à hora de refeições, já que para além de restaurante é ainda casa de chá. No menu há vietnamita mais clássico ou pratos que incorporam ingredientes típicos alemães, por exemplo sopa com espargos brancos (na Primavera, que é a época dos espargos brancos e em que, é preciso dizer, o país entra numa onda de quase loucura com o legume).

Uma opção de um pátio um pouco maior e mais, digamos, dramático, é o Katz Orange, um restaurante relativamente novo numa antiga fábrica de cerveja. As cadeiras coloridas diminuem o tom imponente do grande edifício neogótico de tijolo de burro que parece dominar o pátio. Mas, mesmo que se escolha a esplanada para ficar, vale a pena uma visita ao interior, para ver a decoração do espaço, e ir até à casa de banho espreitar os lava-mãos feitos em banheiras antigas.

O restaurante gaba-se ainda de ter o máximo de ingredientes orgânicos e ingredientes produzidos na região; apesar de não haver muitos pratos (quatro ao almoço e outros quatro ao jantar, os menus são diferentes), há qualquer coisa para todos. Entre as bebidas, destacaria as limonadas: de erva-príncipe, de laranja com lavanda ou lima com gengibre.

Bicicleta e feira da ladra

A bicicleta é o meio de transporte típico de Berlim. No Verão pode estar demasiado calor, mas há muitas pessoas que optam, mesmo assim, por uma visita guiada a uma hora mais fresca, de manhã cedo ou ao final da tarde. Há demasiadas tours oferecidas por imensas companhias: Berlim "pobre mas sexy", II Guerra, à volta do muro, tours mais curtas, mais longas; basta uma pesquisa para encontrar opções para qualquer gosto. Ou então pode-se simplesmente chegar a uma loja de bicicletas e alugar uma. O caminho do muro, por exemplo, está indicado no mapa (podem-se também seguir as placas cinzentas com a indicação "Mauerweg", que estão à exacta altura do antigo muro, 3,6 metros). Um alerta: as ciclovias de Berlim estão cheias de pessoas que usam este meio para deslocações normais em dias de trabalho, e que podem ficar irritadas com uma circulação mais lenta. Importante é sobretudo sair da ciclovia se parar para verificar algo no mapa ou admirar um monumento ou paisagem.

De bicicleta ou a pé, outra actividade típica na cidade é uma ida à feira da ladra. Normalmente ao domingo de manhã, é só escolher um perfil: há a clássica na Strasse des 17. Juni, uma das maiores e mais antigas, juntando uma parte de designers novos às antiguidades; o Mauerpark, como já vimos, que tem também algumas antiguidades mas já mais roupa, malas e etc.; e duas outras que estão muito perto e se podem fazer de seguida, uma um pouco mais "alternativa", da Boxhagener Platz em Friedrichshain, e uma "ainda-mais-alternativa", na Revaler Strasse, na parte ao ar livre de umas antigas instalações de reparação ferroviária, onde há também concertos durante o dia (metro: U1, Warschauer Strasse).

Num dia especialmente quente de Verão, não é preciso sair de Berlim para tomar banho. Há uma piscina no meio do Spree. Chama-se Badeschiff e tem um rectângulo de água ligado a dois rectângulos de areia; depois, em terra, há um bar por cima de tudo isto. A piscina está aberta das 8h à meia-noite e o bar fica aberto a noite toda, com festas regulares. Nota: para a piscina não se pode levar comida ou bebida de fora.

Um programa típico de uma noite quente é o cinema ao ar livre. Há vários na cidade e, ao contrário das salas de cinema normais, em alguns os filmes não são dobrados, tendo antes legendas em alemão. Há cinemas ao ar livre em Kreuzberg e Friedrichshain também pode ser uma boa opção.

Para quem goste de festas tardias (e de techno, e já se sabe que um dos principais atractivos de Berlim são as festas techno) há ainda outra hipótese, um dos clubes mais conhecidos de Berlim, o Maria (am Ufer, que quer dizer na margem, e que entretanto se chama ADS e está prestes a encerrar: o terreno foi comprado por um grupo de investidores e 2012 é o último ano do clube). Quando estiver demasiado calor na pista de dança, pode-se sempre vir beber uma bebida junto à água.

Das festas da Badeschiff às do Maria, passando pelo deck de madeira do Club der Visionäre, há várias maneiras de acabar o dia como se começou, ao pé do rio. Por causa da latitude, em Berlim anoitece tarde e amanhece cedo. Assim, os mais corajosos podem começar ali um novo dia.

A Fugas viajou a convite da TAP com o apoio do Hotel Sana.

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