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Médicos defenderam SNS com "a maior greve de sempre"

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Mais de dois mil médicos de todo o país concentraram-se frente ao Ministério da Saúde, em Lisboa Rui GaudÊncio

Há mais de 20 anos que não se via algo assim. Sindicatos e Ordem dos Médicos apoiaram um protesto que, segundo referem, terá tido mais de 95% de adesão. Hoje ainda é dia de greve

Cirurgias e consultas canceladas nos hospitais e centros de saúde limitados a serviços de enfermagem. Foi assim ontem e tudo indica que será assim hoje. O caos foi evitado muito por causa dos utentes que optaram por seguir os conselhos dos sindicatos e nem sequer se dirigiram aos hospitais e centros de saúde. "É a maior greve de sempre", concluía, ao final do dia de ontem, Mário Jorge Neves, dirigente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). O Ministério da Saúde não comentou o protesto.

A maioria dos médicos não trabalhou e muitos participaram na concentração de batas brancas em frente ao Ministério da Saúde (MS), em Lisboa. A manifestação começou às 15h, com duas centenas de pessoas, mas pouco depois a mancha branca, pontuada de amarelo por balões que foram largados no final da concentração, já cobria a maior parte da Avenida João Crisóstomo. No final, segundo a PSP, estavam duas mil pessoas, embora os sindicatos esperassem o dobro.

De fita negra no braço em sinal de luto, os médicos empunhavam cartazes com mensagens de apoio ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), pela defesa da profissão e dos utentes. Entre a multidão estavam centenas de jovens estudantes de Medicina e muitos médicos internos, que dizem ser os mais afectados pelas medidas do Governo. "Vejo o futuro com muita preocupação. Tenho dois anos de internato pela frente e nada garantido", lamentou João Caiano Gil, de 31 anos, de Matosinhos. Gabriela Lopes, tem 55 anos e conta quase 31 no SNS. "Vi crescer o SNS e agora vejo-o doente e a definhar", lamentou a médica do Barreiro. Vestiu a bata para contestar os "cortes cegos" e gritar em defesa das carreiras médicas.

Aos gritos e com palmas, a multidão alternava frases de protesto com música - chill out e até salsa. "Sabíamos que ia ser assim", disse o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, deixando o aviso: "Seria uma grande falta de bom senso se o Governo não reflectisse sobre o que aconteceu nos últimos dias, o movimento, a adesão e a compreensão dos doentes".

Tal como noutros protestos recentes, o Governo não quis entrar na "guerra dos números" e o MS não forneceu nenhum dado sobre a adesão à greve, argumentando que esta divulgação "não tem cobertura legal". O MS já tinha avançado que uma adesão de 100% ia significar o adiamento de cinco mil cirurgias e 400 mil consultas. Pela versão dos sindicatos, a adesão à greve ultrapassou os 95%.

Em 1988, a então ministra Leonor Beleza, durante o primeiro mandato de Cavaco Silva, enfrentou uma greve dos médicos que também contou com o apoio dos sindicatos e da ordem. Tal como agora, os médicos protestaram pelas grelhas salariais e carreiras médicas. Ontem, o sindicalista Mário Jorge Neves não esqueceu a história e constatava que "nem no tempo da Leonor Beleza" houve uma adesão deste nível. Ao PÚBLICO, o dirigente da FNAM acrescentava: "Desta vez, os resultados foram mais uniformes, houve mais locais com níveis de adesão de 100%, e a concentração que fizemos suplantou o plenário nacional feito no tempo de Beleza". Carlos Arroz, presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), falava num "acontecimento histórico".

Níveis de adesão

Por unidade hospitalar, o dirigente da FNAM notou que a adesão no Hospital de Santa Maria foi de 98%, em São José de 100%, no Curry Cabral, de 95%; no Hospital Pediátrico de Coimbra de 100%; nos hospitais de São João e Santo António, no Porto, foi superior a 90%; em Évora 98% e em Faro de 95%. A adesão chegou também aos 100% em quase todos os centros de saúde. "São níveis de adesão esmagadores, que superam muito as nossas expectativas iniciais", afirmou Mário Jorge Neves, acrescentando: "Isto revela uma vontade inequívoca da classe médica em não se deixar espezinhar por qualquer Governo e lutar por princípios básicos como o SNS".

Hoje cumpre-se o segundo e último dia desta greve. O sindicalista não descarta a possibilidade de convocar novos protestos caso o MS não ceda às exigências. "A bola está agora completamente do lado do ministro. Não acredito que vá ficar numa atitude contemplativa a ver o que isto dá". Roque da Cunha, secretário-geral do SIM, também espera que se "possa iniciar rapidamente um novo processo negocial" e lamenta que nos últimos seis meses a tutela "tenha andado a engonhar".

Para este dia, Mário Jorge Neves espera, pelo menos, o mesmo tipo de resposta dos médicos. Ou mais ainda. "Alguns dos que não fizeram hoje [ontem] podem fazê-lo amanhã [hoje]. Nem que seja por vergonha". com Mariana Oliveira e Marisa Soares

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