E, passados 11 anos, o genoma da banana foi finalmente "descascado"

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Em cima, uma banana sem sementes da variedade comercial Cavendish, em baixo a banana com sementes, proveniente de um antepassado fértil, como a que foi sequenciada Angélique D'Hont

Sabia que as bananas mais comuns nas prateleiras dos nossos supermercados - as bananas Cavendish - são totalmente estéreis? E que esse é também o caso da maioria das variedades de bananas comestíveis existentes no mundo? No caso da Cavendish, que foi introduzida no Ocidente nos anos 1950, isso significa que andamos desde então a comer a "mesma" banana: todas as Cavendish descendem, por clonagem, de uma única planta-mãe, surgida na China, quiçá há milhares de anos.

Dada a quase total ausência de diversidade genética que daí decorre, as bananas estão em perigo de extinção - que, para a Cavendish, até pode ser iminente. Duas doenças causadas por fungos - uma nova forma do chamado "mal-do-panamá" e a sigatoka-negra são letais para esta variedade de banana, de longe a mais importante do ponto de vista comercial. E não há nada no seu genoma susceptível de a proteger.

Para tentar obter variedades mais resistentes às doenças desta fruta, que, para além de sustentar uma indústria mundial, constitui um dos alimentos de base de centenas de milhões de habitantes dos países do Sul, era essencial sequenciar o genoma da banana. Mas, por diversas razões - e sobretudo porque a banana era vista como um "parente pobre" das outras espécies vegetais importantes do ponto de vista alimentar (como o arroz, o trigo e o milho) -, os cientistas de várias nacionalidades envolvidos no projecto, reunidos sob o nome de Consórcio Global de Genómica da Musa (Musa é o nome científico do género ao qual pertence a banana), fundado em 2001, demoraram anos a arranjar o dinheiro necessário.

Mas acabaram por conseguir e hoje anunciam, na revista Nature, que completaram o primeiro "rascunho" do genoma da banana - e que já está online, livremente acessível. "Demorámos muito tempo a encontrar quem quisesse financiar a sequenciação", disse ao PÚBLICO Angélique D"Hont, do Centro de Cooperação Internacional de Investigação Agronómica para o Desenvolvimento (CIRAD), França, e co-autora do artigo da Nature. "Acabou por ser a França, em 2009, a tomar a decisão de o fazer - e, a partir daí, tudo aconteceu depressa."

A ameaça de extinção que paira sobre a banana não é uma miragem: já houve um episódio em meados do século passado, quando uma forma anterior do mal-do-panamá acabou com a população mundial da antecessora da Cavendish, a banana Gros Michel. Felizmente para a indústria bananeira (e para nós), foi encontrada a Cavendish, que era resistente àquela forma da doença. Mas que já não o é à sua forma actual.

De facto, o mal-do-panamá está a devastar há vários anos diversas regiões do mundo onde a Cavendish é cultivada: Malásia, Filipinas, China. A este propósito, lia-se numa notícia publicada em 2008 pela revista Science (numa altura em que o financiamento para ler o genoma da banana ainda não estava garantido): "Se o mal-do-panamá alastrar para a América Latina, poderá exterminar a Cavendish num prazo de dez anos." David Grimm, autor da notícia, acrescentava ainda: "As bananas africanas também começam a desaparecer, vítimas da globalização e de práticas agrícolas insustentáveis." Quanto à sigatoka-negra, já em 2008 os agricultores da América Central precisavam de fumigar as plantas de banana uma vez por semana para as proteger. O futuro era tudo menos radioso.

Isso poderá vir agora a mudar. "O conhecimento do genoma vai facilitar consideravelmente a identificação dos genes responsáveis por características tais como a resistência às doenças e a qualidade da fruta", escreve o CIRAD em comunicado.

Para fazer a sequenciação dos 520 milhões de "letras" do genoma da banana - mais de 36 mil genes, distribuídos por 11 cromossomas -, os cientistas escolheram uma variedade selvagem da mesma espécie que a Cavendish (Musa acuminata, cujo genoma entra na composição de todas as variedades comestíveis de banana, cruas ou cozinhadas). A variedade escolhida tem, contudo, uma genética menos bizarra do que a Cavendish. É que, ao contrário do que é normal e da variedade sequenciada, a Cavendish possui três cópias de cada cromossoma em vez de duas...

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