Igreja premeia Teotónio Pereira, arquitecto de causas sociais e inovações religiosas

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Nuno Teotónio Pereira (ao centro) recebe esta quarta o Prémio Árvore da Vida, da Igreja Católica

O arquitecto Nuno Teotónio Pereira, 90 anos, recebe nesta quarta-feira à tarde o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, atribuído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), da Igreja Católica.

A sessão decorre às 18h na igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, que é monumento nacional e foi projectada por Teotónio Pereira e Nuno Portas, entre outros.

Inaugurada em 1970, a igreja, que se localiza em pleno centro de Lisboa, perto do Marquês de Pombal, é um dos projectos de Teotónio Pereira que se destacam na arquitectura do século XX. Foi ali que decorreu também, há meses, uma homenagem por ocasião dos 90 anos do arquitecto. O prémio, no valor de 2500 euros, será acompanhado por uma peça do escultor Alberto Carneiro.

Além do percurso profissional e cívico de Teotónio Pereira, o júri do prémio, anunciado no final de Junho, destacou o “momento nacional dramático para a arquitectura, profissão que tem sido duramente flagelada pela crise económica”. A acta da decisão acrescentava: “A estatura ética e criativa de Nuno Teotónio Pereira representam uma lição de humanidade para todos nós e uma luz oportuníssima para pensar o lugar e o modo da arquitectura reinscrever-se no presente e no futuro”.

As preocupações sociais de Teotónio Pereira, nascido em 1922, estiveram sempre presentes na sua obra. Foi um arquitecto de “causas sociais”, admite ao PÚBLICO João Alves da Cunha, ele próprio arquitecto, que está a preparar doutoramento sobre o Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), fundado por Nuno Teotónio Pereira e João Almeida, entre outros.

“Desde o começo ele teve uma preocupação social e humanista”, diz Alves da Cunha. Essa motivação vinha da crença moderna na capacidade de a arquitectura mudar a vida das pessoas. Com o tempo, Teotónio Pereira terá percebido que o envolvimento social não era suficiente. Por isso, empenhou-se também politicamente, na década de 1960, na luta contra o regime ditatorial do Estado Novo. “Havia já a consciência de que era preciso ganhar o político para ganhar o social”, comenta Alves da Cunha.

“Premente necessidade de habitações”

Na decisão que atribuiu este prémio a Teotónio Pereira, a preocupação social do arquitecto era destacada: um ano antes de se diplomar na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, em 1949, Teotónio Pereira fez, com o seu colega Manuel Costa Martins, uma comunicação ao Congresso Nacional de Arquitectura sobre “Habitação Económica e Reajustamento Social”. Nela, afirmava: “É do conhecimento geral a premente necessidade de habitações – um dos mais tremendos problemas da época. Uma enorme parte da população está alojada em condições que não satisfazem as mais fundamentais exigências psicofisiológicas do homem”.

Tratava-se de “um paradigma de arquitectura comprometida com os direitos fundamentais da pessoa humana e com a transformação estética e política do mundo”, avaliava o júri do prémio católico que lhe será atribuído nesta quarta-feira. E que continuou em várias funções que Teotónio Pereira desempenhou ao longo da sua vida profissional: consultor de Habitações Económicas na Federação das Caixas de Previdência, responsável pelo primeiro concurso de soluções arquitectónicas para habitação de renda controlada ou relator do primeiro plano sectorial de Habitação – Plano Intercalar de Fomento, “documento pioneiro na identificação das carências habitacionais do nosso país”, como dizia ainda a acta do júri.

O próprio, quando foi anunciado o prémio, declarou ao sítio do SNPC: “Sou contra as injustiças sociais, haver tanta gente pobre, tanta desigualdade nos rendimentos. Esta desigualdade sempre me impressionou muito e sempre achei que a Igreja devia lutar mais contra isso.”

A sua relação com o catolicismo consubstanciou-se no MRAR, do qual Teotónio Pereira foi o primeiro presidente e do qual faziam parte, entre outros, artistas como José Escada, Jorge Vieira, Cargaleiro, Madalena Cabral ou Eduardo Nery, e arquitectos como Nuno Portas, Luís Cunha, Diogo Lino Pimentel ou Formosinho Sanches.

O MRAR, que se definia como “uma comunidade católica de artistas, com o fim genérico de promover, em todos os domínios da arte religiosa, o encontro de uma verdadeira criação artística com as exigências do espírito cristão”, dinamizou uma série de projectos na arquitectura, pintura e escultura, que procuravam também traduzir uma nova linguagem religiosa e uma nova conceptualização formal do espaço litúrgico.

Nesta área, a obra maior de Teotónio Pereira é a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa. Esta reflectia “um novo paradigma”, escreve João Alves da Cunha num texto publicado no site do SNPC.

“Uma nova concepção de Igreja”

“Desde cedo que esta obra se assumiu como a materialização de uma nova concepção de Igreja, menos ‘sociedade perfeita’ e mais Igreja de serviço, ao lado dos mais pobres e necessitados, aberta ao mundo e às pessoas”, diz João Alves da Cunha. Este caminho “seria confirmado pelo Concílio Vaticano II (1962-65), que encetou um conjunto de reformas da Igreja. E caracterizava-se “por uma nova relação da igreja-edifício com a cidade, que era reflexo da relação que a Igreja-Ecclesia queria ter com o mundo”.

O edifício da igreja lisboeta, diz Alves da Cunha, “já não era o templo-monumento, símbolo de poder, que se impunha na cidade e à sociedade, como sucedera com as igrejas lisboetas de Santo Condestável, S. João de Deus e S. João de Brito, mas, pelo contrário”, surgia “enquadrada no quarteirão urbano à maneira pombalina, e deu o centro do seu lote à cidade, através de uma rua que ao atravessa-lo, era um convite à vida urbana e quotidiana, sagrada e profana”. Além desta, Teotónio Pereira projectou ainda o Mosteiro de Santa Maria do Mar, das Monjas Beneditinas, em Sassoeiros (Oeiras), entre 1959 e 1968, a Igreja de Santiago (1963-1971), em Almada e a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Águas (Penamacor,).

A acta do júri do Prémio Árvore da Vida recorda ainda “uma história curiosa, que atesta bem como a arte e a dimensão moral do percurso de Nuno Teotónio Pereira se conjugam para constituir uma fecunda árvore da vida”: foi enquanto estava preso por razões políticas (o arquitecto esteve detido três vezes, entre 1967 e 1974), na prisão de Caxias, que Teotónio Pereira desenhou o sacrário da Igreja do Coração de Jesus.

O prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, junta-se a várias outras distinções recebidas por Teotónio Pereira ao longo da vida, incluindo três prémios Valmor.

Nas anteriores edições, o Prémio Árvore da Vida, que distingue personalidades que colocam em diálogo a fé e a cultura, já reconheceu o poeta Fernando Echevarria, o cientista Luís Archer, o cineasta Manoel de Oliveira, a professora de Estudos Clássicos Maria Helena da Rocha Pereira, o político e intelectual Adriano Moreira, o Departamento de Património Histórico da Diocese de Beja e o compositor Eurico Carrapatoso.

O júri do Prémio foi constituído pelo bispo João Lavrador, da Comissão Episcopal da Cultura; padres João Aguiar, presidente da Rádio Renascença, António Vaz Pinto, director da revista Brotéria e José Tolentino Mendonça, director do SNPC; e ainda Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura; e Maria Teresa Dias Furtado, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

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