Sandro Aguilar. O instigador

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Sinais de Serenidades por Coisas sem Sentido. Para quem tanto gosta de Carpenter como de Tarkovsky, este filme está mais dentro do fantástico do que qualquer dos anteriores ENRIC-VIVES RUBIO

O mais consistente e constante cineasta português a trabalhar no formato da curta. Jorge Mourinha

"Nunca encarei a curta-metragem como uma plataforma para eventualmente chegar à longa. Por convicção, levo vários anos a fazer só curtas; é um formato de que gosto, que me permite explorar. E que permite, de forma mais constante e consequente, o surgimento de muitos novos realizadores."

Quem fala assim não é gago - é, mesmo, o mais consistente e constante cineasta português a trabalhar no formato da curta-metragem. Autor de uma única (e insuficientemente conhecida) longa, A Zona (2008), Sandro Aguilar, 38 anos, realizador, montador e produtor, vai ter em Vila do Conde a sua nona curta, Sinais de Serenidades por Coisas sem Sentido (6ª, 13, 21h; sáb., 14, 20h) - e é a nona vez que o cineasta tem uma curta sua na selecção oficial do certame (que venceu em 2001 com a terceira, Corpo e Meio).

Sobre o novo filme, ainda em pós-produção, diz apenas ao atender-nos a telefone, do modo elíptico que identificamos no seu cinema, "ser um pouco diferente e um pouco semelhante a todos os outros". Mas Sinais de Serenidades por Coisas sem Sentido está também "mais dentro do universo do cinema fantástico" do que qualquer dos filmes anteriores. "As minhas referências são muito divergentes, tanto gosto de um John Carpenter como de um Andrei Tarkovski. O meu desafio é ver de que forma é que todas essas coisas de que eu gosto exprimem a minha personalidade cinematográfica."

No entanto, mais do que apenas realizador com um percurso invulgar no cinema nacional, cuja carreira tem sido quase completamente feita nas curtas-metragens, Sandro é também um dos maiores instigadores do formato através da produtora que formou em 1998 com João Figueiras e que hoje anima com Luís Urbano. O Som e a Fúria tem cinco filmes a concurso no Curtas 2012 - para além de Sinais de Serenidades por Coisas sem Sentido, ainda Solo, de Mariana Gaivão, As Ondas, de Miguel Fonseca, Os Vivos Também Choram, de Basil da Cunha, e Entrecampos, de João Rosas - e fora de concurso O Dom das Lágrimas, de João Nicolau, encomenda de Guimarães Capital da Cultura.

Escola O Som e a Fúria?

Nos seus 12 anos de existência, a Som e a Fúria leva três dezenas de curtas produzidas, assinadas por gente como Miguel Gomes, João Figueiras, Bruno Lourenço, Basil da Cunha ou Jorge Cramez. Suficiente para já se poder falar de uma "escola O Som e a Fúria", o que Aguilar não enjeita. "Temos muitos anos de trabalho e temos tido a capacidade de encontrar realizadores novos, e a sorte de acertar. Mas não há uma escola no sentido de uma linguagem, e ainda bem."

"A nossa procura é um pouco encontrar universos com alguma singularidade e alguma capacidade de sustentação", prossegue. "Há é um trabalho continuado com alguns realizadores, apostas que são feitas e que na maior parte dos casos são consequentes. Não nos interessa muito produzir episodicamente, temos acompanhado mais ou menos os realizadores." Sempre sem uma visão "carreirista" das coisas. "Quando produzimos o primeiro filme do João Nicolau, por exemplo, não sabíamos se havia ali uma carreira. Suspeitávamos que sim - mas não tínhamos essa perspectiva estratégica."

Importante, para Aguilar, é as águas serem abertamente separadas entre as suas funções dentro da estrutura. Enquanto produtor, "a única coisa que nos distinguirá eventualmente é alguma compreensão do formato e do métier de fazer filmes. Só queremos compreender o objecto que estamos a produzir. Mas não há receitas. Não temos muitos automatismos - trata-se de saber encontrar a melhor forma de adequar os meios a cada projecto, de produzir cada novo filme." Enquanto realizador, "uma das coisas que me agrada muito é o facto dos filmes que produzimos não serem derivações do meu próprio universo. A produção dessa maneira não tem interesse para mim. Os filmes que produzimos têm em comum serem objectos bastante idiossincráticos, muito diversificados."

Voltamos ao princípio da conversa - a fé de Sandro Aguilar na curta-metragem é essencial para o apoio continuado da Som e a Fúria ao formato. "Nos casos mais interessantes, os realizadores acabam por fazer não uma, mas duas ou três curtas, e aproveitam essa oportunidade para mostrar um universo pessoal. Isso é o mais importante: que as curtas consigam ser encaradas como um formato nobre, que permite um nível de experimentação e de afirmação muito rápida do universo do seu realizador, que depois pode ou não derivar em longas-metragens." Por isso, acha essencial que a nova lei do cinema proteja um apoio às curtas e às primeiras obras. "A expressão contínua de uma obra não se faz sem qualquer apoio. Isso é tanto válido para as estruturas de produção, que deixam de ter capacidade de acolher novos projectos, como para os realizadores, que nem sempre conseguem fazer filmes. Mas continuo a ser optimista, porque nem do ponto de vista estritamente economicista vejo grandes argumentos para que não se invista nas curtas. Estamos a falar de migalhas do ponto de vista geral financeiro, que depois acabam por ter uma expressão muito maior..."

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