Robert Caro O homem que nos mostra a natureza do poder

Há mais de três décadas que se dedica a estudar o Presidente americano Lyndon B. Johnson. Por causa disso, arrastou a mulher para o Texas, instalou-se em Washington, ficou falido. Mas muito mais do que um biógrafo, Robert Caro tornou-se numa autoridade mundial sobre a natureza do poder. Os seus livros hipnotizaram Obama e ajudaram-no a moldar a forma como pensa a política. A biografia de L.B.J. ainda está incompleta - falta-lhe o último volume. Há quem tema que possa nunca vir a ser terminada. Enquanto isso, Caro continua a dizer: "Estou fascinado por Johnson. Ou obcecado, se não gostarem de mim"

Foram precisos (até agora) 36 anos para Robert Caro, biógrafo vencedor de prémios Pulitzer, chegar ao coração do último grande reformador da América, Lyndon B. Johnson. E durante esse processo tornou-se numa autoridade mundial na natureza do poder e em como o utilizar.

Pode parecer terrivelmente errado dizer isto, mas Robert Caro é um bocadinho invejoso. Caro dedicou grande parte da sua vida adulta a historiar a ascensão de Lyndon Johnson ao poder - a investigação sobre a chegada deste texano à Casa Branca tomou mais tempo a Caro do que ao próprio Johnson a vivê-la. E, ainda que tenha publicado um volume por década sempre num crescendo de atenção por parte da crítica, Caro sente que tem várias omissões. E ainda lhe falta um último volume.

A maioria dos repórteres invejá-lo-ia quer pelo tempo que pôde dedicar à investigação, quer pelo espaço para a publicação de 1,5 milhões de palavras sobre este assunto. E isto ainda antes de lançar mãos ao volume sobre uma presidência que fez mais pelos direitos de uma minoria negra do que qualquer outra desde a guerra civil, e antes de se ter afundado no pântano de mentiras e desilusão que foi o Vietname.

Mas Caro, que todos os dias veste o seu fato e gravata para, como confessa, contrariar a sua preguiça natural, matura sobre quão fantástico teria sido se fosse um correspondente internacional de um jornal. Um dos seus amigos mais próximos é Joseph Lelyveld, um reconhecido jornalista, autor da melhor investigação sobre o apartheid na África do Sul que publicou com o título Move your Shadow antes ir dirigir o New York Times. "Sempre que falo com ele, penso para mim: "Rapaz, o que perdeste"", diz Caro num carregado sotaque nova-iorquino. "Cobrir o mundo inteiro, conhecer o mundo inteiro. Porque não se chega a conhecer um sítio até se trabalhar lá." A área onde Caro tem trabalhado desde há décadas permanece um mistério para a maioria das pessoas. Provavelmente, fez tanto como qualquer outro escritor actual para explicar o mundo do poder.

Nas décadas que lhe levaram esta investigação, Caro quase ficou falido, arrastou a sua mulher, Ina, de Nova Iorque para a inóspita e imensa região do Texas chamada Hill Country, calcorreou os corredores do Congresso e aguentou os ataques amargos daqueles a quem desagradou a maneira como foi revelando as formas tão humanas como Johnson acumulou e usou o poder.

A recompensa são quatro excelentes volumes, no seu todo conhecidos como The Years of Lyndon Johnson [Os Anos de Lyndon Johnson, ainda não traduzidos para português], que traçam o retrato de um colosso político que se elevou de uma pobreza extrema à presidência por segurar o Senado com mão de ferro, algo que nunca no século anterior se tinha visto nem se viu sequer no meio século que se lhe seguiu. No último volume, The Passage of Power/A Passagem do Poder, é retratado um Johnson lânguido na vice-presidência no início dos anos 1960, sob a sombra de John F. Kennedy, um homem cuja destreza política e insensibilidade ele erradamente menosprezou até as balas de Lee Harvey Oswald lhe terem entregue a Casa Branca e a oportunidade para usar o poder como sempre o desejou.

A reputação de Robert Caro foi crescendo à medida que os volumes iam sendo publicados. De tal maneira que, no mês passado, alguns dos assistentes que haviam pago para assistir a uma conferência que deu em Washington lhe fizeram uma vénia quando entrou na sala. Um gesto que o deixou extremamente desconfortável.

Caro vê-se como jornalista e não como historiador. Durante 36 anos penetrou profundamente na vida de Johnson, à procura não do homem em si mas do entendimento que teria do poder e de como o usar de uma forma tão eficaz. "Não vejo os meus livros como biográficos. Nunca tive qualquer interesse em fazer um livro para escrever sobre a vida de um grande homem. Tinha interesse zero nisso", diz. "O poder é o meu interesse. Como funciona o poder."

Caro tem agora 76 anos. Começou a investigar para os livros The Years of Lyndon Johnson três anos depois de o Presidente morrer e quando ainda ocupava um lugar significativo na memória colectiva americana. A guerra do Vietname, que Johnson deixou escalar ao ponto de levar o país à ruptura, havia terminado em humilhação apenas um ano antes, com a queda de Saigão. A luta pelos direitos civis espalhou-se com a ascensão de movimentos de militantes extremistas negros. Quando saiu do poder, em 1968, Johnson era desprezado pela esquerda e pela direita.

Contudo, a maneira como é visto tem sido suavizada ao ponto de alguém como Bill Clinton, que escapou a ser chamado para combater no Vietname, ter escrito na recensão que fez do último volume para o New York Times que é levado a reconhecer que há muito para admirar na personalidade de L.B.J. e que nunca lhe teve ódio, ao contrário da maioria das pessoas da sua geração.

Mas mesmo enquanto Johnson ia passando à história, o impagável entusiasmo de Caro no sujeito da sua investigação foi sendo alimentado pelo desejo de compreender como é que este homem brutal, muitas vezes racista e agressivo, escapou à ruralidade do Texas. Compreender o homem que manipulou umas eleições escolares chantageando uma rapariga até a forçar a desistir da corrida; que "roubou" uma eleição para o Congresso; que conseguiu controlar um Senado moribundo e aprovar a primeira legislação de direitos civis de que havia memória desde a guerra civil.

"Estou fascinado por Johnson. Se não gostarem de mim, dirão que estou obcecado", diz Caro. "A nós, ensinam-nos o axioma de Lord Acton: todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Era nisso que acreditava quando comecei a escrever estes livros, mas agora já não acredito que seja sempre assim. O poder nem sempre corrompe. O poder pode limpar. O que acredito que seja sempre verdade é que o poder é revelador. Quando alguém chega a ter o poder para fazer aquilo que sempre quis, então vêem-se as suas verdadeiras intenções."

O primeiro livro de Caro, The Power Broker, pôs a nu Robert Moses, o mítico urbanista que durante décadas deteve o poder em Nova Iorque, mais do que qualquer político eleito. Caro pinta o retrato de um homem que usa o seu controlo de organismos públicos para mobilizar bancos, sindicatos, a imprensa e a igreja para pressionar presidentes de câmara e governadores, enquanto reconstruía Nova Iorque com estruturas públicas, incluindo a destruição de bairros antigos, que obrigou milhares de pessoas a deixarem as suas casas.

O trabalho rendeu a Caro o seu primeiro Pulitzer. [Barack] Obama disse ter ficado "simplesmente hipnotizado" pelo livro e que este ajudou a moldar a forma como pensa sobre a política.

Caro chegou até Moses como um jovem jornalista que não compreendia como funcionava a cidade onde vivia. Trabalhava para o Newsday, um jornal de Long Island, e tinha sido escolhido para escrever sobre o projecto de uma nova ponte que Moses tinha e que a ninguém parecia uma boa ideia. Escreveu uma série de artigos onde expôs as várias falhas do plano de Moses. E descobriu que tinha vários políticos do seu lado. Mas quando chegou a hora da verdade, Moses conseguiu levar a cabo o que tinha planeado. O estado de Nova Iorque votou largamente a favor.

Para Caro, esse foi um momento de viragem porque nunca entendeu como aquilo aconteceu. "Comecei a escrever o The Power Broker porque era jornalista e sentia que não estava a conseguir explicar como funcionava o poder, o poder urbano em Nova Iorque. Nem eu nem ninguém. Não havia nada para ler sobre este assunto. Ali estava um tipo que tinha mais poder do que muitos políticos, ele que nem eleito era. Comecei a escrever o livro para explicar precisamente isso. Estava a tentar descortinar como é que ele tinha chegado ao poder e como o estava a usar para dar forma a Nova Iorque. Nunca se compreende em demasia as facetas do poder. Numa democracia, supostamente o poder vem-nos do que depositamos na urna de voto, por isso, quanto mais informação tivermos sobre o poder político maior é a possibilidade de uma melhor democracia."

O livro sobre Moses deveria ter-lhe levado menos de um ano a escrever mas tomou-lhe sete anos e deixou Caro, e à sua mulher, na penúria. O casal teve de abandonar a sua casa em Long Island e mudar-se para o apartamento do filho mais novo, em Brooklyn. Ina arranjou emprego como professora para pagar as contas. O passo seguinte de escrever sobre Johnson pareceu natural. O seu poder era relativamente evidente. Mas não os como e porquês.

Johnson passou a infância em Texas Hill Country a assistir à ascensão e queda do seu pai, e com isso arrastou toda a família para a miséria. "Lembro-me de dizer a Ina que não me parecia que precisássemos de ir viver para Hill Country. Há, digamos, para aí uns sete livros que contam as histórias da sua juventude, por isso achei que poderia fazê-lo através de algumas entrevistas para me darem background e cor. Nem pensei que me fosse levar muito tempo", diz.

Foi então que Caro foi até ao Texas. "Comecei a entrevistar aquelas pessoas e a viajar por Hill Country, e aí disse à Ina: "Não compreendo estas pessoas e não compreendo o Lyndon Johnson. Por isso vamos ter de nos mudar." Ina, como sempre, disse-me: "Claro." Vivemos lá cerca de três anos. Na primeira vez que fui até Johnson City estive com todos os miúdos que tinham sido seus colegas de liceu. Depois, falando com os seus familiares, percebemos que há uma convicção unânime - Sam Houston, o irmão, a dizer que o mais importante sobre Lyndon Johnson era que não quereria ser igual ao pai porque o pai falhou e era motivo de chacota e que o Lyndon tinha tido uma infância terrível. Acho que isso está na raiz de tudo."

O trabalho trouxe-lhe recompensas. Aquele primeiro livro, The Path to Power (O Caminho para o Poder), foi aclamado como uma revelação não apenas pela sua perspicácia do que era a verdadeira natureza de Johnson, mas também por ser considerado transformacional para a tradição da biografia política. Era também um livro chocante por pôr a nu os modos abrutalhados de Johnson. Alguns dos seus antigos aliados retraíram-se. A biblioteca da presidência de Johnson durante anos recusou-se a ter o livro. A viúva de Johnson, Lady Bird, que a princípio se mostrou muito colaborante, a partir de certo ponto, e sem que Caro alguma vez tenha entendido as razões, cortou os contactos. As filhas de Johnson pura e simplesmente recusaram-se a vê-lo. "A família é muito hostil em relação a mim", diz Caro. "As filhas são dedicadas aos seus pais. E eu tinha de escrever coisas que lhes eram muito penosas."

Caro viveu L.B.J. durante tanto tempo que ele próprio receia ter-se tornado num maçador L.B.J. As piadas começam a vir ao de cima. Num determinado momento, ele próprio se desculpa por falar tanto sobre o homem, mas logo a seguir lembra-se que essa é afinal a razão que nos trouxe até aqui. Diz-nos que quando anda a entrevistar fontes para os seus livros costuma escrever "SU" no seu bloco de notas, uma maneira abreviada para shut up (cala-te) para se lembrar de ficar calado. É durante uma destas pausas que Caro se descai com uma pergunta: o que penso da América?

Digo-lhe que a disfunção governamental e o impasse no Congresso me têm deixado surpreendido, mas que a coisa que verdadeiramente me surpreende é os americanos viverem bem com isso. É uma perspectiva completamente diferente da governação na Europa, onde as pessoas podem até mostrar-se cínicas em relação aos seus políticos mas ainda assim terem expectativas de como eles lhes poderão melhorar as vidas e protegê-los de outras forças, como o capitalismo selvagem. Nos Estados Unidos há uma corrente que tem vindo a ganhar peso que pensa que é na própria existência de um Governo que está a fonte de todos os males do país. Até os pobres dizem que se se conseguissem livrar do Governo seriam livres e prósperos.

"Isso é tudo um produto dos anos 60", diz Caro. "Se olhar para o que era a América no dia 22 de Novembro de 1963 [dia em que Kennedy foi assassinado], verá que é muito diferente da América de hoje que está a descrever. E é nessa altura que Johnson chega à presidência. E cinco anos depois deixa-a. E basicamente a América transformou-se naquilo que está a dizer. É opinião geral que a desconfiança em relação ao Governo começou nos tempos de Nixon. Na verdade, começou com Johnson. Começou com o Vietname e a "brecha na credibilidade". Com [os presidentes] Eisenhower, Kennedy, Roosevelt e Truman, havia a sensação de que a solução residia no Governo. Mas a confiança na presidência precipitou-se com Johnson - a níveis muito baixos mesmo. E nunca mais recuperou. É uma tendência desencorajadora para quem é liberal."

E isso tornou-se no legado de um Presidente que, apesar de ter ganho as eleições em 1964 com uma maioria nunca antes vista na história norte-americana, conseguiu dividir o país de tal forma que foi forçado a reconhecer não ser reelegível.

Mas há outro legado, e este é o que verdadeiramente interessa a Caro neste volume.

Johnson foi tremendamente poderoso como líder do Senado. Caro mudou-se com a família para Washington, durante dois anos compareceu em cada reunião do comité do Senado, entrevistou cada um dos seus membros eleitos para tentar perceber como é que Johnson tomou conta de um Senado que nada tinha de moribundo e o transformou no centro do poder pela primeira vez desde 1850. "O Senado era uma bagunça até 1955. Lyndon Johnson tornou-se líder da maioria durante seis anos até chegar à vice-presidência. E durante seis anos o Senado torna-se no centro da energia, criatividade e engenho governamentais em Washington. E basicamente redige a sua própria legislação. A lei dos direitos civis, que já vinha de Eisenhower, é reescrita por Johnson. E aprova o salário mínimo, a pensão de invalidez, a habitação social. Johnson sai. E a partir desse minuto o Senado volta à bagunça que é hoje. Durante meio século foi a mesma desordem. A única vez em que o Senado funcionou tal como os seus fundadores ambicionaram, tanto como fiscal da governação, como uma força criativa dentro do Governo, foi durante os seis anos em que Johnson esteve à frente da maioria. O que prova que pode ser feito. Mas para tal requer um génio político legislativo."

O génio político, concluiu Caro, reside em parte no engenho de Jonhson em pegar em regras estabelecidas e usá-las para assegurar o controlo e a gestão de lealdades. Mas, apesar de todo o seu brilhantismo político, não soube medir a fome e ambição de John Kennedy pela presidência nos anos 60, e deixou para demasiado tarde a sua própria corrida à Casa Branca. Johnson teve então de decidir se aceitava a oferta de Kennedy para a vice-presidência.

A sua estratégia acabou por ter um desfecho arrepiante. Para a história, fica que ele teria mais hipóteses de chegar à Casa Branca com a morte de Kennedy do que teria se tentasse candidatar-se oito anos depois. Johnson também viveu pelo mote "o poder está no sítio para onde o poder vai", ou seja, achava que conseguia manter o controlo que tinha no Senado a partir do seu escritório de vice-presidente. Kennedy matou rapidamente essas ambições.

Mas depois Johnson foi catapultado para a Casa Branca e revelou-se pelo que realmente valia. Kennedy lutara para fazer aprovar no Congresso a legislação de direitos civis. "E o que faz Johnson?", pergunta Caro. "Torna-se Presidente e todos lhe dizem - era Presidente há quatro dias e aqueles tipos estavam todos sentados à volta da mesa a delinear o seu primeiro discurso e estão todos a dizer: "Não gaste os seus créditos nos direitos civis, vai antagonizar os sulistas, eles controlam tudo - é uma causa nobre mas é uma causa perdida." Johnson diz-lhes: "Então para que raio serve a presidência"?"

Johnson agarra na legislação dos direitos civis, dias depois estava já a convencer o Congresso e a legislação foi aprovada. "A lei dos direitos civis não ia a lado nenhum. Estava morta. Johnson entra - e eu acho isto espantoso - e é milagrosa a forma como ele agarra na lei numa questão de dias e fá-la caminhar até ser aprovada. É um uso do poder político como raramente vemos."

O poder absoluto revelou Johnson como um verdadeiro apaixonado na questão dos direitos civis e, mais tarde, no combate à pobreza com a Great Society Legislation. Este era um homem formado por Hill Country, que não tinha o estilo de vida milionário dos Kennedy, um homem que era tão pobre que não tinha dinheiro para acabar a faculdade e que aceitou um emprego como professor para ensinar Inglês a crianças americano-mexicanas - o único professor que tiveram que se preocupava realmente com elas.

Não é que Caro alimentasse quaisquer ilusões sobre o outro lado de um homem que chegou ao poder com pressões e chantagens. "A minha opinião sobre ele não mudou. Ele sentia realmente compaixão e queria realmente ajudar. Mas sempre que a sua ambição colidia com a sua compaixão, era a ambição que vencia", diz.

Tudo isto levanta a interessante pergunta: se Kennedy não tivesse morrido e Johnson não se tivesse tornado Presidente, a lei dos direitos civis teria sido aprovada? É uma questão difícil para Caro, que admira Kennedy profundamente. Caro aponta para a forma descontraída como Kennedy lidou com a crise dos mísseis de Cuba como uma prova da sua mestria nas questões internacionais, ao enfrentar as pressões dos falcões do seu próprio Governo, os generais e Johnson, que queriam atacar Cuba.

"Não conseguiremos sobrevalorizar a grandeza da Jack Kennedy nos aspectos inspiradores e nas questões de política externa da presidência", diz Caro. "No entanto, não podemos dizer a mesma coisa das questões internas. Será que estas leis teriam sido aprovadas? Não me refiro apenas aos direitos civis e direitos eleitorais, mas também [aos regimes de saúde] Medicare, Medicaid, todas as leis educativas. Tenho verdadeiras dúvidas sobre se teriam sido aprovadas sem Lyndon Johnson."

E onde é que isto coloca este homem? Estará ele entre os maiores presidentes, independentemente dos seus defeitos? "Não penso seguramente isso, porque a sua presidência não terminou em triunfo. Terminou no Vietname, com ele a mentir e a enganar constantemente o povo americano sobre o Vietname, e o sentimento que lá muito no fundo os americanos tinham de que estávamos a fazer uma coisa de que nos devíamos envergonhar", afirma. "Mas ele foi um dos presidentes mais significativos da história americana. A sua presidência separava as águas, no sentido exacto do termo: uma divisão no topo da montanha, com um lado das águas a correr numa direcção e o outro lado a correr na outra. Durante a sua presidência, as águas começaram a seguir um caminho diferente e ainda não voltaram realmente atrás."

Mas há mais uma razão pela qual Caro pensa que talvez Johnson tenham algum crédito. Sem os direitos civis e a legislação dos direitos eleitorais, seria muito possível que hoje a Casa Branca tivesse outro inquilino. "Lyndon Johnson faz aprovar a legislação de direitos civis em 1964 e os direitos eleitorais em 1965. Nessa altura, os negros votavam em percentagens muito pequenas neste país, era um ambiente totalmente diferente. Em 2008, Obama foi eleito. Passaram 43 anos. É um lampejo da história."

Em eventos públicos, Caro é muito questionado sobre Obama. É ele outro Kennedy - só inspiração, sem resultados? Alguns dizem que Obama veio para o poder com poucos conhecimentos sobre como trabalhar com o sistema político, ou que era um político demasiado consciencioso para levar a melhor sobre um Congresso dividido, onde os republicanos estão mais interessados em afundar a sua presidência do que em fazer o que está certo para o país. "Não concordo muito com isso, ainda que seja o único a pensar assim", responde. "Acho que ele conseguiu grandes resultados pelos quais ninguém lhe dá créditos."

Caro está a pensar no sistema de saúde - a reforma que constitui um marco, cujo destino está nas mãos de um Tribunal Supremo dividido política e partidariamente, e onde o equilíbrio de poder se inclina para o lado dos conservadores.

"Quando penso no sistema de saúde, penso numa coisa que o Lyndon Johnson afirmou quando estava a fazer aprovar a sua primeira lei de direitos civis, de 1957, quando ainda estava no Senado. Ele diz esta frase crua: "Depois de romper a virgindade, a vez seguinte é mais fácil." Depois, disse também de uma forma mais polida: "Uma vez aprovada, é mais fácil voltar a ela e melhorá-la." Não consigo deixar de pensar que temos uma lei de cuidados de saúde. Já fez alguma coisa. Fez com que 30 milhões de pessoas recebessem um seguro de saúde que não tinham. Impediu que as empresas se recusassem a dar condições prévias às pessoas. Fez alguma coisa. Não é uma lei perfeita, mas está lá. Será mais fácil voltar a ela e melhorá-la. O Congresso deteve-o em muitas coisas, mas ele conseguiu outras. Parece-me que não recebe o mérito suficiente." Afinal de contas, Obama não tem um Lyndon Johnson que lhe escancare as portas do Senado.

Há outra pergunta com que Caro é confrontado em quase todos os seus actos públicos. Às vezes de uma forma indirecta, outras, directa. Mas tem a ver com o facto de Caro ter agora 76 anos; se demorar outra década para escrever o quinto e último volume - o drama da presidência de L.B.J. - poderemos nunca chegar a vê-lo. O seu testamento estipula que se ele morrer antes de ter terminado, o trabalho será abandonado. Ninguém o completará.

Então, quanto tempo mais? "Já fiz quase toda a investigação para o último volume. Acho que o consigo fazer num curto período. Estimo que três anos", afirma. "Mas porque haveria de acreditar em mim?"

a Exclusivo PÚBLICO/Observer/The Interview People

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