Obamacare é uma “vitória do constitucionalismo”

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Foram muitos os que se deslocaram até ao Supremo Tribunal no dia da decisão Alex Wong/AFP

O Supremo Tribunal norte-americano deixou passar a reforma do sistema de saúde da administração Obama, umas das principais bandeiras eleitorais do Presidente, e lançou uma nova fase na corrida para a Casa Branca. Em análise às consequências políticas da decisão, dois professores catedráticos portugueses a leccionar nos EUA acreditam que a campanha será mais dura.

Barack Obama disse que a decisão do tribunal é “uma vitória para as pessoas de todo o país”, mas Luís Lobo-Fernandes entende que foi o próprio Obama quem garantiu “um passo de gigante para a vitória” nas eleições de Novembro. “É uma inultrapassável e tremenda vitória para Obama”, diz ao PÚBLICO o professor de Relações Internacionais da Universidade do Minho e investigador convidado na Johns Hopkins University, em Washington.

Onésimo Teotónio de Almeida é bem mais contido. O professor do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Brown, que dirigiu entre 1991 e 2003, sublinha que “tudo pode acontecer”. “É muito cedo para prever o que vai acontecer. Qualquer previsão é ridícula.” Mas antecipa “uma muito forte mobilização da direita [dos republicanos]”.

Mitt Romney, o mais que provável candidato republicano às presidenciais, já fez saber que, se for eleito, deixará cair a reforma. Tão simples quanto isto. “Nem a direita nem a esquerda vão mudar de opinião”, acredita Onésimo, açoriano a viver nos EUA há 40 anos. A chave da eleição – diz – está “nos 10 ou 20 milhões de indecisos que são cada vez mais voláteis” (os EUA têm mais de 210 milhões de eleitores). “A esquerda e a direita estão cada vez mais separadas.”

“A eleição será um Portugal-Espanha, decida nos penáltis”, acrescenta Teotónio de Almeida, no jeito de brincadeira que lhe é característico. Lobo-Fernandes, há ano e meio em Washington, observa que “os mainstream americans estão contra” a reforma. O que – antecipa – fará com que os Estados-chave para estas presidenciais sejam, além de Florida, Ohio e Virginia, Michigan, Colorado e Nevada.

O docente da academia minhota vê na questão do financiamento do “Obamacare” um tema central nos debates dos próximos meses, juntamente com um “cavalo de batalha fortíssimo”: a liberdade individual, que os detractores da reforma dizem que a reforma põe em causa, por obrigar todos os cidadãos a ter seguro de saúde. “Os republicanos vão fazer fogo cerrado. A campanha vai subir de tom e mobilizar muito os republicanos.” Onésimo concorda.

Decisão partidária? Não

No colectivo de juízes do Supremo Tribunal, contam-se quatro magistrados nomeados por democratas e cinco nomeados por republicanos, entre os quais o presidente, John Roberts, que detém o poder de decisão em caso de empate. E foi precisamente Roberts quem acabou por desempatar a decisão do Supremo sobre a reforma da saúde. Algo inesperado.

“É algo com algum significado”, observa Lobo-Fernandes. “John Roberts é um conservador constitucional e não só um conservador ideológico. Esta é também uma vitória do constitucionalismo norte-americano, da separação de poderes. Ou melhor: uma vitória do constitucionalismo tout court. Ele fez uma leitura de cariz mais constitucional do direito do Congresso em legislar sobre um seguro de saúde universal”, diz. “A tentação de fazer uma leitura política é grande, mas é necessário olhar para as decisões com mais atenção”.

O Supremo “é o poder mais equilibrado dos EUA”, acrescenta Onésimo Teotónio de Almeida, lembrando decisões sobre “causas liberais” relacionadas com o aborto e a homossexualidade. “As decisões não são partidárias. As questões são complicadas de mais. Não há uma incursão partidária na questão. Ninguém quer aparecer como estando a favor deste ou daquele partido.”

Mas Lobo-Fernandes não resiste à leitura política: “Existe um consenso em Washington que privilegia a reeleição de Obama. Daí o afastamento de candidatos republicanos que poderiam ser mais problemáticos.” E remata: “Há algum pudor em não pisar aquilo que são as competências próprias do Congresso e não ferir politicamente o Presidente.”

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