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Receita fiscal agrava queda e Gaspar prepara Europa para derrapagem

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Vítor Gaspar diz que Governo não vai pedir "nem mais tempo nem mais dinheiro" à troika GEORGES GOBET/AFP

Execução orçamental está a fugir às previsões do Governo devido ao impacto da recessão. Desvio pode obrigar a mais austeridade ou a ajustar metas do défice

Oministro das Finanças preparou o terreno ainda na reunião do Eurogrupo e os números da execução orçamental vieram confirmar os receios sobre a evolução das contas públicas. "O aumento significativo dos riscos e das incertezas das perspectivas orçamentais", nas palavras de Vítor Gaspar, deve-se sobretudo a uma quebra acentuada das receitas fiscais. Em causa pode estar um desvio potencial de dois mil milhões, que, ou teria de ser compensado com medidas adicionais, ou "perdoado" pela troika.

O mês de Maio era considerado decisivo para perceber o real impacto da recessão sobre a arrecadação de impostos e os resultados decepcionaram o Governo. Segundo os números ontem divulgados (ver texto ao lado), o IVA é o caso mais gritante, devido à quebra do consumo privado, mas a receita de IRC também está em queda livre, reflectindo o impacto da crise na actividade das empresas.

Até Maio, as receitas fiscais recuaram 3,5%, enquanto no Orçamento do Estado Rectificativo (OER), o Executivo prevê que cresçam 2,6% no conjunto do ano. A manter-se este ritmo de queda, o desvio face às previsões pode chegar aos dois mil milhões de euros no final do ano. Além disso, o desemprego já reduziu a menos de metade o saldo da Segurança Social, quer devido à diminuição das receitas com contribuições e quotizações, quer ao aumento da despesa com os subsídios.

Para o especialista de finanças públicas Paulo Trigo Pereira, a quebra da receita fiscal deixa claro que "as metas do défice não são alcançáveis". "Já temos dados suficientes para perceber que assim não vamos lá", salienta o economista. O Governo comprometeu-se a chegar ao final do ano com um défice de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o que representa um ajustamento estrutural de quatro pontos percentuais do produto.

Para a ex-secretária de Estado do Orçamento, Manuela Arcanjo, foi sempre "praticamente impossível" atingir essa meta. "Num jogo calculado, o ministro arriscou uma previsão optimista da receita fiscal, que iria tornar impossível o objectivo do défice", explica. A derrapagem das contas é cada vez mais provável e, desta vez, é o próprio Governo que o admite. Logo na quinta-feira à noite, na reunião dos líderes europeus no Luxemburgo, Vítor Gaspar reconheceu que há "um aumento significativo dos riscos e incertezas das perspectivas orçamentais". A razão? Depois de se ter mostrado surpreendido com o facto de o desemprego estar a aumentar mais do que seria expectável face à queda da economia, o Governo parece agora ter subestimado o impacto que as medidas de austeridade teriam sobre a procura interna.

Apesar de o Governo ter revisto recentemente em alta as suas previsões para este ano - a economia deverá contrair 3% e não 3,3% - tal deve-se a um crescimento maior das exportações líquidas. Aquele que sempre foi o grande contributo para o PIB - o consumo privado - está a recuar mais do o Executivo previa, devido sobretudo à diminuição dos gastos em bens duradouros, como automóveis, que são também os mais tributados.

Para o Governo, este "desvio" nas previsões decorre da dimensão do ajustamento, que é um esforço "sem precedentes na história recente de Portugal", como disse Vítor Gaspar. Contudo, têm-se multiplicado as críticas ao "optimismo" das previsões do Executivo, começando pelos partidos da oposição, passando pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), até chegar ao Conselho das Finanças Públicas.

"O cenário macroeconómico não era realista logo desde o início, pelo que não admira que as receitas fiscais sejam inferiores", resume Paulo Trigo Pereira. Para o economista, o Executivo tem agora três opções: tomar medidas de austeridade adicionais para cumprir o défice, aliviar as metas do défice ou cumprir os objectivos orçamentais com recurso a medidas extraordinárias, como aconteceu em 2011 com a transferência dos fundos de pensões dos bancários.

Por enquanto, o Executivo permanece em silêncio sobre a estratégia que poderá seguir, caso a derrapagem orçamental se confirme. No entanto, Vítor Gaspar deixou alguns sinais aos líderes europeus. Embora se mantenha "determinado" em cumprir o défice de 4,5%, o ministro admitiu que o cumprimento desta meta implica um esforço "muito importante". E, por isso, disse contar "com o apoio dos nossos parceiros internacionais".

Vítor Gaspar foi claro: o Governo não vai pedir "nem mais tempo nem mais dinheiro". Mas pode ficar à espera que a troika abra a porta a um ajustamento das metas. Sobretudo quando Espanha e a Grécia se preparam para ser presenteadas com esse mesmo precedente. E quando tanto o principal partido da oposição (o PS), como o parceiro de Governo (o CDS-PP), se mostraram ontem pouco disponíveis ao reforço da dose de austeridade.

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