O Dia Nacional do Arquitecto e Manuel Tainha

Foto
"Manuel Tainha foi um activíssimo membro das sucessivas organizações de arquitectos em Portugal" Dulce Fernandes

Manuel Tainha, formado em 1950, faz parte da geração que procurou modernizar um país marginal na Europa. (Texto publicado a 12 de Julho de 2010)

Neste ano de 2010, a Ordem dos Arquitectos decidiu, para comemorar o Dia Nacional do Arquitecto, homenagear Manuel Tainha e precisamente nas instalações da Agência Europeia de Segurança Marítima, que ocupa, ali junto ao Cais do Sodré, em Lisboa, um complexo arquitectónico projectado por este arquitecto. Tal complexo arquitectónico cria uma praça pedonal aberta ao Tejo, organiza-se no seguimento do traçado pombalino, mostrando uma cuidadosa resposta ao sítio. Manuel Tainha, tendo já uma longa carreira, mais uma vez seguiu o "Princípio dos 3 P's: o Programa, o Lugar ou Posição, o Procedimento", como escreveu num importante artigo, O arquitecto deve saber falar daquilo que está a fazer, publicado em 1999.

A escolha da Ordem dos Arquitectos não foi fortuita.

Manuel Tainha, que se formou em 1950, faz parte da geração que, em Portugal, reconheceu o Movimento Moderno, procurando modernizar o país. Este reconhecimento permitiu também a abertura ao mundo e uma actualização que foram construindo uma trajectória que está na base do actual interesse internacional que a melhor arquitectura portuguesa suscita. Nuno Portas coloca-o juntamente com Fernando Távora e Nuno Teotónio Pereira no "lote de profissionais que, a partir de cinquenta, mais se envolve na crítica propositiva da experiência reducionista dos CIAM [Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna] e, simultaneamente, na defesa dos valores locais e regionais como matriz cultural poderosa para superar a crise semântica do funcionalismo", adiantando ser "autor de grande rigor ideológico e metodológico". No final dessa década, fundou, com o seu irmão, o engenheiro Jovito Tainha, a revista Binário, que pretendia envolver a visão global da Arquitectura com a visão especializada da Engenharia Civil. Cerca de dez números depois, abandonou a revista, mas continuou a colaborar com a revista Arquitectura. A partir de 1976, o arquitecto dedica-se ao ensino universitário, na continuação natural da associação entre o exercício da profissão e a reflexão crítica que os seus escritos sempre demonstraram. Mas vale também a pena lembrar que Manuel Tainha participou na primeira investigação organizada e sistemática de Arquitectura em Portugal, o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa, que decorreu nos últimos anos da década de 50 e cujos resultados foram publicados em 1961 com o título Arquitectura Popular em Portugal, livro com sucessivas edições e reconhecimento internacional.

Como arquitecto profissional, o seu primeiro projecto importante foi o das piscinas do Tamariz, no Estoril, trabalho que ganhou num concurso em 1954 e demonstra já a atenção ao sítio, num estreito socalco sobre a praia.

Também de assinalar é a pousada de Santa Bárbara (1957-66) que se projecta voluntariamente para a paisagem num estudo da relação entre o edifício e os seus vários níveis internos e a forma do terreno, experiência que se continuou, por exemplo, na casa Gallo em S. Pedro de Muel (1970-75) ou na casa Martins dos Santos em Cascais (1971-75). Já a casa do Freixial (1958-60) é associável à pousada também pela aproximação às lições da "arquitectura popular". A Escola Agro-Industrial de Grândola (1959-63) e a Escola de Regentes Agrícolas de Évora (1960-65) representam a maturidade do arquitecto que manipulou com grande à-vontade o conhecimento dos exemplos internacionais de prestígio e as condições do programa e do sítio. A sua contribuição para os Olivais em Lisboa, esses bairros exemplo das décadas de 50 e 60, foi um conjunto de torres (1961-67, com Hestnes Ferreira) onde a organização do fogo baseia-se em Alvar Aalto e as varandas colectivas procuravam favorecer uma vida mais comunitária. E se entre os anos 70 e 80 Manuel Tainha esteve afastado das luzes da ribalta, com o edifício da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (1987-90) voltou à publicação pelas revistas de Arquitectura que o elogiaram. E o terceiro lugar no concurso para o CCB ou o primeiro lugar no concurso para as instalações do IST de Tomar (1988-93), dividido com Bartolomeu Costa Cabral, mostraram que Manuel Tainha estava em plena forma, continuados por tantos concursos premiados ou obras construídas como o Departamento de Engenharia Mecânica em Coimbra (1990-96), a ponte pedonal do Bom Sucesso em Lisboa (1992-93), a Biblioteca Municipal de Viseu (1994-01), a ampliação da estação da Alameda em Lisboa (1994-98), a porta Norte da Expo 98, etc.

Assim se justifica a escolha da Ordem dos Arquitectos, não esquecendo que Manuel Tainha foi um activíssimo membro das sucessivas organizações de arquitectos em Portugal.

Michel Toussaint é arquitecto
Sugerir correcção
Comentar