Suu Kyi recebe Nobel quando violência ameaça transição

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Suu Kyi recebe hoje o Nobel da Paz que lhe foi atribuído em 1991 SEBASTIEN FEVAL/AFP

Confrontos entre rakhines e rohingyas fazem olhares virarem-se para a histórica líder da oposição. Margem da agora deputada é estreita

A actualidade pode hoje obrigar Aung San Suu Kyi a ir além do discurso protocolar de aceitação do Prémio Nobel da Paz que ganhou em 1991. É pelo menos isso que muitos birmaneses esperam. O que a líder oposicionista possa dizer sobre a violência que, na última semana, eclodiu no estado de Rakhine, é aguardado com expectativa e terá de ser bem medido, devido ao impacto que as suas palavras possam ter no país.

Já na Suíça, onde esteve ontem e anteontem, no início da sua primeira viagem à Europa em mais de duas décadas, Suu Kyi foi questionada sobre os confrontos entre budistas rakhines e muçulmanos rohingyas. Mas disse pouco sobre a violência que já provocou a morte de, pelo menos, 29 pessoas, o incêndio de 2500 casas e a deslocação de cerca de 30 mil pessoas no estado de Rakhine.

A dirigente birmanesa insistiu, segundo as agências, na importância do Estado de direito, sem o qual o "conflito comunitário só pode continuar", e disse que a resolução do problema exige "delicadeza e sensibilidade". Com respostas evasivas, evitou dizer o que pensa sobre a atribuição de cidadania aos rohingyas.

Em Rakhine, cuja designação se deve ao grupo minoritário budista que constitui a maior parte da população, vivem também muçulmanos oriundos da Índia e do Bangladesh, além de cerca de 800 mil rohingyas. Minoria muçulmana apátrida, considerada pelas Nações Unidas uma das mais perseguidas do mundo, os rohingyas não são reconhecidos pelas autoridades, que os vêem como imigrantes ilegais oriundos do Bangladesh. As más relações entre as duas comunidades agravaram-se depois da violação de uma mulher rakhine, seguida do linchamento de dez muçulmanos. A capital, Sittwe, era ontem patrulhada por militares e as orações muçulmanas de sexta-feira foram canceladas, numa tentativa para evitar novos confrontos que possam ameaçar a transição política que o país iniciou no ano passado, após meio século de regime militar.

Uma referência de Suu Kyi ao assunto, em Oslo, onde chegou ontem à tarde, pode contribuir para acalmar a tensão em Rakhine. Mas a tarefa não é fácil e ninguém garante que a agora deputada se pronuncie sequer sobre a questão. Alguns dos seus aliados são anti-rohingyas, membros desta minoria assumem-se como seus apoiantes históricos.

"Não disse nem fez nada por nós, enquanto os rohingyas, entre eles os meus pais, fizeram campanha por ela nas eleições de 1990", afirmou à AFP Mohammad Islam, representante de refugiados rohingyas acampados no Bangladesh, junto à fronteira. O que Suu Kyi diga pode também "agravar a situação", preveniu Aye Maung, dirigente de um partido rakhine.

Em síntese: se evitar o assunto vai decepcionar os que esperam uma palavra sua, se defender os rohingyas arrisca-se a "alienar [o apoio] de alguns budistas birmaneses", disse Nicholas Farrelly, da Australian National University, citado pela agência.

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