A grande ocultação

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Eu posso compreender o ar de enfado que o antigo presidente do Banco de Portugal mostrou na semana passada em mais uma comissão parlamentar do caso BPN. Nem sempre é fácil enfrentar deputados que intervêm como se estivessem em directo nas televisões ou nas catacumbas do Twitter. Este bricolage parlamentar tem sido uma das infelizes consequências da TV Parlamento. Mas daí a oferecer respostas completamente insatisfatórias, quando não insultuosas, como as que deu Constâncio na sua audição vai um passo demasiado largo.

O actual vice-presidente do Banco Central Europeu continua a recusar qualquer responsabilidade, não só pela supervisão deficiente do banco, mas pela decisão tomada pelo Governo Sócrates de o nacionalizar em 2009. Continua a jurar que a nacionalização era a única medida possível e inexorável para evitar que o sistema financeiro entrasse em colapso. Sucede que Constâncio afirmou também aos membros da comissão que era impossível calcular o custo da nacionalização do BPN para o Estado e para os contribuintes, acrescentando que o mesmo acontece em qualquer nacionalização.

Esta afirmação é uma novidade. Em primeiro lugar, não cola essa desculpa peregrina de que não podemos antecipar o custo de uma nacionalização. Nem foi isso que Teixeira dos Santos nos garantiu à época. Pior, se Constâncio não sabia qual iria ou poderia ser o custo da nacionalização do BPN, não quererá isso dizer que a decisão foi tomada à matroca na base de um mero juízo de opinião? Para mais, existindo como existia um plano alternativo apresentado por Miguel Cadilhe que não passava, como sabemos, pela nacionalização, não estaremos perante a confirmação de que a nacionalização do BPN foi tomada sem uma adequada ponderação dos seus custos e vantagens em comparação com soluções alternativas?

E, se assim é, quais foram os estudos e elementos em que a dita nacionalização se baseou e aos quais também o Presidente da República se referiu mais do que uma vez no passado para justificar a promulgação do decreto de nacionalização?

Ninguém sabe. Por isso mesmo, as dúvidas sobre todo este processo são pertinentes e sérias. A nacionalização do BPN mais parece hoje uma grande ocultação que já custou 2,7 mil milhões de euros de dinheiros públicos. De resto, se a nacionalização tinha por objectivo evitar uma perniciosa fuga de depósitos, como ele também diz, falhou redondamente, quando o seu trânsito para a Caixa Geral de Depósitos só começou a fluir depois.

Constâncio argumentou que a supervisão nunca falhou no BPN, porque não é uma actividade policial. Tecnicamente, a supervisão bancária dispõe de inúmeros poderes que, em sentido jurídico, são poderes de polícia. Tal como possui poderes para obter toda a informação considerada indispensável. Constâncio explica que não tinha poderes suficientes. Mas teria o rumo da História sido diferente, caso tivesse exercido ao menos os poderes que tinha? Provavelmente. É isso que Constâncio precisa de explicar. Não basta lamentar-se quanto aos poderes que não tinha, quando nem sequer exerceu os que tinha. Não convence ninguém.

Este tom de absoluta desresponsabilização e ligeireza só mostra que Constâncio nunca se quis maçar muito com o caso BPN. E continua a não querer maçar-se, nem a aprender com o que correu mal. Incomoda-se com as perguntas. Refugiado na eurolândia, o problema, de facto, já não é dele. É só nosso.

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