Maria Keil foi a pintora da cidade de Lisboa

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Maria Keil adorava a cidade, os seus edifícios e os gatos NUNO FERREIRA SANTOS

Será principalmente como a genial autora dos painéis de azulejos do metropolitano que a pintora será recordada

Maria Keil morreu ontem. Teria 98 anos no próximo dia 9 de Agosto. Foi casada com o arquitecto Francisco Keil do Amaral. Mas é como ilustradora e autora de painéis de azulejo que a recordamos.

Alguém disse um dia que a melhor forma de conhecer a obra de Maria Keil era passeando por Lisboa. Na Avenida Infante Santo, o painel de azulejos O Mar é da sua autoria. Mas, sobretudo, foi nas decorações para as estações do Metropolitano de Lisboa que o génio desta artista, também pintora, ilustradora, publicitária, decoradora, cenógrafa e autora de cartões para tapeçaria, melhor se revelou. Em tempos, contou-nos que o marido, que assinava o projecto de arquitectura do metro, tinha tido a ideia de revestir as estações com painéis de azulejo. Não havia dinheiro disponível, acrescentou, e por isso criou, na Fábrica Viúva Lamego, um conjunto de padrões abstractos que, por meio de combinações formais e cromáticas distintas, produzissem sempre obras diferentes de estação para estação.

A partir de 1959 e até 1972, os passageiros dos ramais que ligavam Entrecampos ou Sete Rios ao Rossio, ou esta estação a Alvalade, podiam usufruir do que foi durante décadas o mais extenso conjunto de pintura mural modernista abstracta em Portugal. Boa parte dele ainda subsiste. No fundo, Maria Keil retomava aqui uma tradição muito portuguesa de encher as paredes da cidade de pintura, luz e cor. Afastava-se do modernismo dogmático, ela que foi uma artista moderna por excelência.

Maria Keil nasceu em Silves, em 1914, e veio para Lisboa estudar pintura nas Belas-Artes. Não se deu bem por lá: pintava com espátula, coisa mal vista pelos professores. A partir de 1933, já casada, frequentou as tertúlias de artistas d"A Brasileira do Chiado, muitos deles com acesso à necessária informação internacional. Participou nas decorações para a Exposição Internacional de Paris, em 37, e do Mundo Português, em 40. Também na continuidade do que foi a vida dos artistas modernos dos anos 20 e 30, Maria Keil enveredou pelo desenho publicitário, uma área onde o seu traço elegante e sintético era bem acolhido. A partir dos anos 50, trabalhou intensamente como ilustradora, sobretudo de livros infantis, que também escreveu.

Não gostava de rótulos, mas adorava a cidade, os edifícios, os motards e sobretudo os gatos, porque, como escreveu João Paulo Cotrim, "quem como eles vê a cidade?".

O mundo das artes não a esqueceu, dedicando-lhe retrospectivas no Museu do Azulejo (1989) e no Barreiro (Auditório Municipal Augusto Cabrita, 2007), e os prémios Amadeo de Souza-Cardoso (1941) e SOL Azulejo Obra e Vida (2011). Era modesta e discreta, bem de acordo com a sua preferência pelas artes decorativas, mas em contraste flagrante com a ousadia das escolhas estéticas na obra de azulejaria que acabou por a identificar.

O funeral realiza-se hoje, da Igreja de São João de Deus, pelas 15h, para o Cemitério da Apelação, em Loures.

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