Lei laboral e energia mancham nota positiva
Portugal continua a ser apresentado como o bom aluno da zona euro no cumprimento do programa de ajustamento. Mas algumas críticas persistem
Maior flexibilização da legislação laboral e redução mais decidida das rendas em mercados de produtos como a energia: estas são as duas medidas que a troika pede a Portugal, mas que o Governo teima em não cumprir. Duas manchas numa avaliação em que os responsáveis da Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu mais uma vez retratam Portugal como o país onde, apesar da escalada do desemprego para níveis superiores ao previsto, o executivo está a fazer aquilo que é preciso e o programa de ajustamento financeiro, ao contrário do que acontece na Grécia, "está no bom caminho".
Os dois pontos de discórdia ficaram ontem mais uma vez claros com a divulgação dos resultados da quarta avaliação da troika ao Governo português e respectiva resposta dada por parte do Governo.
Na nota conjunta da Comissão, FMI e BCE, é defendido pelos responsáveis da troika que "são urgentemente necessárias mais medidas para melhorar o funcionamento do mercado laboral" e que estas medidas "incluem reformas institucionais que permitam às empresas maior flexibilidade para ajustarem os custos do trabalho e a produtividade". A subida do desemprego para níveis acima do previsto é apontada como uma das razões para que a acção do Governo nesta área seja decisiva.
Estes apelos parecem confirmar a ideia, já expressa em anteriores avaliações e declarações, de que a troika não ficou totalmente satisfeita com as alterações recentemente introduzidas no código laboral em Portugal. Apesar de reconhecer que "a recente aprovação da revisão do Código do Trabalho deverá atenuar a perda de postos de trabalho", a troika continua preocupada com o que diz ser a "rigidez do mercado laboral português". Do lado do Governo, a posição nesta matéria tem sido, até agora, a de que a reforma recentemente efectuada será suficiente para mudar a situação.
Para combater a subida do desemprego, o Governo vai, no entanto, avançar com novas medidas, ao nível das políticas activas de emprego, algo que também é pedido pela troika. Em particular, o ministro das Finanças confirmou ontem que o executivo está a ponderar a possibilidade de reduzir a contribuição das empresas para a Segurança Social em algumas circunstâncias específicas. Ou seja, uma descida da taxa social única (TSU), mas apenas para parte da força de trabalho das empresas. Vítor Gaspar assinalou contudo que esta medida apenas será adoptada em 2013 e caso exista margem orçamental para o efeito.
Ao nível dos mercados de produto, a troika reconhece a existência de "progressos em termos de redução dos encargos indevidos sobre os consumidores e os contribuintes através do aumento da concorrência e da redução das rendas excessivas nos sectores dos serviços de rede e serviços protegidos, incluindo no sector da electricidade". No entanto, logo de seguida, diz que "é necessária uma maior determinação para concretizar reformas que podem atingir interesses instalados sensíveis do ponto de vista político e económico".
Ontem, o Governo negou que a troika tenha voltado a fazer críticas fortes ao executivo na questão das rendas existentes no sector da energia. Vítor Gaspar disse que "não foi uma questão central" na avaliação efectuada e garantiu que, com ele directamente, ninguém da troika falou sobre o assunto. Carlos Moedas, secretário de Estado ajunto do primeiro-ministro, explicou quais as medidas tomadas nesta área e defendeu que "o Governo não tem qualquer nova medida a adoptar nesta área, a não ser implementar aquilo que foi acordado com os agentes do mercado".
No resto, na análise que é feita da actual situação da economia portuguesa e na definição da estratégia a seguir, troika e Governo mostram estar em sintonia. Na sua avaliação, a troika diz que "o programa continua no bom caminho", que "as autoridades estão a aplicar as políticas de reforma em grande medida conforme previsto" e que "o processo de ajustamento externo está a ser mais rápido do que era esperado". É revelado ainda que, nesta avaliação, "não foram debatidas novas medidas orçamentais", confiando-se que "o ambicioso objectivo de défice orçamental para 2012 continua a ser concretizável".
Vítor Gaspar fez uma análise semelhante e defendeu que, apesar dos riscos, Portugal não corre o risco, por força da implementação deste programa, de entrar numa espiral recessiva. "Se olharmos para os dados económicos verificados, o padrão de revisão foi sempre em alta. A procura interna teve um ajustamento mais pronunciado do que estava previsto, mas foi mais do que compensado pela procura externa", disse o ministro das Finanças.
Na avaliação são apresentadas novas previsões para a economia. A troika assume agora que a contracção pode ser de 3% este ano, em vez de 3,3%. No entanto, para 2013, por causa dos riscos a que se assiste na zona euro, o crescimento será apenas de 0,2%, em vez dos 0,6% previstos há um mês pelo Governo.