Cem cadeiras que falam da nossa relação com o mundo - é favor não sentar

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As miniaturas têm à margem detalhes sobre a sua história e fabrico ENRIC VIVES-RUBIO

Exposição As Dimensões do Design reúne miniaturas de cadeiras-ícone da Vitra no Mude e n"A Linha da Vizinha, em Lisboa

Uma exposição liliputiana de design chega a Lisboa - pequenas cadeiras-ícone, objectos de desejo para coleccionadores. A cadeira, sintoma do design por excelência, objecto que muda, mas que, na verdade, não se altera. Agora, e até 30 de Junho, em versão miniatura, cem cadeiras dos últimos dois séculos estão na loja A Linha da Vizinha (com uma extensão no Museu do Design e da Moda - Mude), com o carimbo Vitra, uma das mais importantes marcas de design e cujo museu tem um dos mais completos espólios de cadeiras de autor do mundo. São As Dimensões do Design de um objecto em que nos sentamos e que é, afinal, um pedaço de nós - pode ter pernas, pés, costas, braços.

"Foi um amontoar de acontecimentos casuais" que deu origem à colecção da suíça Vitra, como explica ao PÚBLICO o responsável ibérico da marca, Carlos Carsten. "O Vitra Design Museum começa com uma colecção privada de cadeiras do fundador da marca, Rolf Fehlbaum. Chegou ao ponto de ter 2000 cadeiras originais e pediu a Frank Gehry que fizesse um edifício para as albergar" - hoje o museu em Weil am Rhein, na Alemanha.

O espaldar alto da Barrell Chair de Frank Lloyd Wright, a perfeição da Lounge Chair do casal Charles e Ray Eames, a Barcelona Chair de Mies van der Rohe, as coloridas Panton de Verner Panton, a Universale de Joe Colombo ou a Donna de Gaetano Pesce, entre muitas outras - são cem miniaturas da colecção original, licenciadas pela Vitra, à escala 1:6.

Faz-se "o inverso do que é natural, que seria ter a exposição no museu e um apoio na loja", como explica um dos proprietários da Linha da Vizinha, Pedro Carvalho. E há, claro, o lado comercial. Estas cadeirinhas, nascidas como fonte de financiamento para o Museu Vitra, são também alvo de fervoroso coleccionismo - as miniaturas Vitra, que cumprem o seu 20º aniversário, são toda uma instituição, com preços que vão dos cento e poucos euros aos 500 por peça.

No Mude estão 11 outras peças produzidas pela Vitra, em tamanho real e que não integram o acervo do museu. Algumas são para crianças, disponíveis para manusear, experienciando de forma lúdica estes símbolos do design. Haverá também conversas de arquitectos e designers sobre cadeiras. "A cadeira é um ícone da nossa cultura material", diz Bárbara Coutinho, directora do Mude. "Tem um lugar de protagonista", cativo mesmo, "especialmente no século XX, quando teve atenção redobrada, dos modernistas às vanguardas, de Le Corbusier à Pop-Art ou aos pós-modernos."

O objecto mais desenhado

Porquê as cadeiras? O design de equipamento trabalha-as incansavelmente. E elas mudam, mas mantêm desde sempre a sua essência. "A cadeira é o objecto mais desenhado e que mais permite variações e experimentação", atesta Ana Carvalho, da Linha da Vizinha. "É um protagonista único dos objectos de uso. Não vejo outro que se lhe equipare", diz Bárbara Coutinho. "É possível fazermos várias histórias a partir das cadeiras, desde a do hábito de sentar, a da própria cadeira e dela enquanto solução formal e técnica", indica a directora do Mude. E podemos ver nela antropomorfismo - os tais pés, pernas, costas, braços. Que nem sempre têm. Muda, varia, da cadeira de estudo, de comer... Mas "efectivamente nunca deixou de ser uma cadeira". "Talvez pela sua base, que é a utilidade, continua a ser um suporte feito para o nosso corpo. E, se não responde a essas questões, é um objecto escultórico, mas que faz referência a uma cadeira", opina a directora do Mude.

Quando falamos de cadeiras, há um movimento pendular entre a poesia e a prática. "Tem muito a ver com incentivar um estado de consciência e estudo que nos exige pausa. Está entre o acto de deitar, que remete para um estado de inconsciência, e a posição vertical, de deslocação; é a posição intermédia para um acto racional e consciente", como evoca Bárbara Coutinho; ou "a máquina perfeita para trabalhar", como descreve Carlos Carsten. "Tem a ver com a forma como estamos no mundo e transmite estilos, materiais, usos de uma sociedade." É também "o que nos liga ao solo", como ele diz, e "um repositório do seu tempo e um programa de tempos futuros", remata a directora do Mude.

As cadeiras, sob todas as suas formas, estão connosco no dia-a-dia, estão nos museus de artes decorativas e design e fazem parte da cultura popular. Pense-se em O Herói do Ano 2000 de Woody Allen e nas três cadeiras-chave do filme de 1973 que imagina o nosso século: uma única linha, esguia, da qual o protagonista escorrega e cai, sem a conseguir apreender como escultura; uma funcional cadeira de rodas que transporta o ditador dos Estados futuristas da América; as cadeiras-bolha, de polímeros brancos, que enchiam as salas de estar daquele século XXI imaginado. Ou nas Chesterfield de Matrix, na Barcelona de Tron, na Lockheed num vídeo de Madonna, no trono da Máfia em O Padrinho, na perfeição da Lounge Chair desenhada como prenda para Billy Wilder e até hoje um símbolo de gente pensante na TV e cinema. Forma, função, história, escolha e corpo.

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