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Igreja reorganiza-se para enfrentar falta de clero e mobilidade dos crentes

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Há pessoas que moram numa paróquia e vão à missa noutra

A falta de clero e a mobilidade das populações levam cada vez mais bispos a optar pela reorganização do território em unidades pastorais que englobam várias paróquias entregues a equipas de padres

A necessidade a isso obriga, mas há outras razões: várias dioceses portuguesas estão a reorganizar o seu território, reagrupando paróquias, de modo a colocar menos padres em cada zona. Mas a mobilidade populacional também é uma razão que leva cada vez mais bispos a optar por este caminho para as suas dioceses.

O último caso é Bragança-Miranda. O bispo, D. José Manuel Cordeiro, anunciou há dias que a diocese vai entrar num processo de reconfiguração territorial, reagrupando as 320 paróquias em cerca de 40 unidades pastorais.

Estas unidades significam que os padres de uma região passam a trabalhar em equipa, distribuindo o trabalho entre eles. O que permite ter menos padres numa determinada região, já que alguns serviços passam a ser feitos em conjunto, apenas em uma das paróquias.

É o que acontece já em Braga, por exemplo. O arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, disse ao PÚBLICO que as oito paróquias urbanas da cidade passaram a trabalhar em unidade pastoral, com os padres a reunirem semanalmente para distribuir tarefas e com determinadas actividades, como a preparação para o casamento ou a catequese, a serem feitas apenas numa das paróquias.

A diocese de Braga tem 551 paróquias e 480 padres, dos quais cerca de 300 exercem as funções de pároco. Ainda não há nenhuma paróquia sem culto, diz o arcebispo, mas há muitos padres idosos. O que fará com que, dentro de poucos anos, essa realidade tenha que ser enfrentada.

Para já, Braga tem uma dezena de unidades pastorais a funcionar, embora nem todas ao mesmo ritmo. Ao todo, estão envolvidas umas 50 paróquias. O processo não é para ser imposto, sublinha o arcebispo Ortiga, mas deve ser assumido a partir de baixo pelos padres de uma mesma zona.

Também Lisboa já entrou numa dinâmica semelhante desde há poucos anos. Embora com diferentes modelos de organização, o padre Paulo Franco, director do Secretariado de Acção Pastoral do Patriarcado, diz que já se pode falar numa dezena de unidades pastorais.

O processo, insiste Paulo Franco, pretende responder a dois factores: "A mobilidade e facilidade de circulação das populações" é uma delas. As pessoas podem viver numa paróquia, ter os filhos na catequese em outra e ir à missa numa terceira, exemplifica. Esta realidade é mais evidente nos centros urbanos e a cidade de Lisboa tem já várias unidades pastorais a funcionar - Baixa-Chiado, Estrela-Lapa, por exemplo.

A segunda razão é igualmente a redução do número de padres. O que "implica uma acção pastoral conjunta", permitindo mesmo numa mesma zona ter uma equipa em que cada padre tenha a sua especificidade e se concentre mais em determinadas tarefas. Mas nada se faz por imposição, sublinha, antes pela forma como os diversos padres podem trabalhar em conjunto.

De qualquer modo, acrescenta Paulo Franco, quando se trata de fazer nomeações de padres para determinadas paróquias, o patriarca tem tido em conta se naquela zona concreta já se trabalha em unidade pastoral ou não. Se é esse o caso, procura-se nomear padres que estejam disponíveis para o trabalho em equipa.

O arcebispo de Braga admite que possa haver padres mais idosos, cujo modelo de formação foi outro, que já não estejam muito sensíveis para este tipo de trabalho em equipa. Mas até agora, acrescenta, não tem havido resistências ao processo.

Não se faz por decreto

Em Bragança, o bispo José Cordeiro também diz que o método está a ser debatido, mas a mudança não é para fazer "por decreto", explica ao PÚBLICO. Na diocese, 66 dos 89 padres desempenham as funções de pároco, mas alguns têm cinco, oito, dez ou 12 paróquias a seu cargo.

Bragança, a quinta maior diocese do país em território - são 6545 quilómetros quadrados e uma população de 136 mil habitantes - tem 320 paróquias. Tendo em conta esta realidade, o bispo pretende também que a reorganização atinja o nível do arciprestado - a circunscrição equivalente ao concelho - de modo a passar dos actuais 12 para metade ou menos.

Apesar de os números poderem dizer o contrário, o bispo José Manuel Cordeiro tem consciência de que o clero que ainda existe na diocese é suficiente. "Está é muito mal distribuído." Por isso, a opção será a de criar condições para que, no início do novo ano pastoral, em Setembro, já possa haver algumas equipas que englobem padres, leigos e religiosas. E cita o caso da cidade de Bragança, onde as sete paróquias podem dar lugar a uma única unidade pastoral, reduzindo os dez padres que agora trabalham na cidade talvez para metade.

O arcebispo de Braga diz que a falta de clero é uma evidência mas que esta reorganização implica também "um novo modo de ser Igreja", vendo-a mais como "povo de Deus e comunhão orgânica" e menos como uma pirâmide hierárquica.

Uma reforma administrativa semelhante ao processo civil de extinção das freguesias? Em qualquer dos casos, os responsáveis dizem que este processo não levará ao desaparecimento das paróquias. Cada uma delas continuará a ter existência jurídico-canónica própria. Do que se trata é de juntar esforços, sublinham todos, reorganizando o território e redistribuindo o clero.

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