É preferível fingir

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Numa praça de Atenas, berrando e resfolegando, um homem de meia idade, dizia: "O que a Alemanha quer é pôr e gente a viver tão mal como os búlgaros". Nesta pequena frase está a "Europa" por quem tanta gente, conforme o dia, jura ou chora e está sobretudo a "solidariedade" que tanta gente invoca. O sr. Hollande, que não nasceu nos Balcãs, nem tem vizinhos na Bulgária, foi esta semana de comboio mostrar a "solidariedade" à sra. Merkel. Fora as boas maneiras do costume, porque a França e a Alemanha não se podem zangar, a conversa não levou a parte nenhuma, excepto à constatação (já conhecida) de que a sra. Merkel não quer espécie nenhuma de eurobonds (e há várias) e de que o sr. Hollande, sendo muito bom e doce, não sabe o que quer. Lá para Julho, garantem os jornais, os dois voltam a falar, provavelmente com a Grécia num irremediável caos.

Entretanto, a OCDE anuncia para Portugal uma recessão de 3,2 por cento em 2012 e um aumento do desemprego de 16,2 por cento em 2016: significativamente acima, ou abaixo, das previsões do Governo. Existem duas teorias sobre este problema. A teoria fatalista, que adoptou a "ciência" como vista pela sra. Merkel; e a teoria da "esquerda", que propõe o "crescimento", como ainda se lembra dele por volta de 1960-1970, agora renascido das cinzas com o dinheiro da Alemanha. O sr. Hollande não pode deitar mão a esse dinheiro, pela blandícia, pela força ou pela chantagem; e a Alemanha não pode deixar cair a "Europa" à sua volta, acrescentando um novo odium ao odium, embora atenuado, que lhe ficou da guerra.

No meio disto, Pedro Passos Coelho vai obedecendo ao que lhe mandam, provavelmente com uma larga reserva mental; e o sr. Seguro tenta que o notem, sem uma política ou sequer uma lógica traduzida para uma linguagem que o país perceba. A regra comum é não ouvir notícias desagradáveis. Se, por exemplo, o Conselho de Finanças Públicas resolve lamentar que Portugal escondesse a "dívida comercial" e a dívida que por razões misteriosas não "reconhece" (17 mil milhões de euros), a Assembleia da República acusa imediatamente o Conselho de Finanças de "pisar o risco". E se o dr. Vítor Gaspar reflecte em público que a evolução do desemprego "tem revelado padrões de comportamento diferentes do que seria sugerido pela experiência histórica" (uma frase, de resto sem sentido), ninguém lhe pergunta porquê ou se, por acaso, ele se enganou. É preferível fingir que não sucedeu nada. Tanto na "Europa" como em Portugal, os que todo lo mandan não percebem o mundo melhor do que nós.

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