Se desse origem a um partido, o 15M "teria muito apoio"

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Fernando Vallespín Director do Instituto de Investigação Ortega y Gasset e autor de obras como Novas Teorias do Contrato Social e O Futuro da Política. Um futuro em que os indignados espanhóis ainda podem ter uma palavra a dizer

Passou um ano desde que milhares de pessoas acamparam nas Portas do Sol, em Madrid, inspirando concentrações em cidades da Europa, América do Sul ou Estados Unidos. Dali nasceu o movimento Democracia Real, ou 15M, que no sábado deu prova de vida, com manifestações que juntaram cem mil pessoas em Espanha. Fernando Vallespín, catedrático de Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid, diz que o futuro do 15M depende da sua capacidade de aproveitar o aumento das desigualdades e do descontentamento. Mas crescer o suficiente para influenciar a política real implica uma traição à sua natureza.

O que é que o 15M conseguiu?

Serviu para tomar consciência de várias coisas. Alertou para uma certa fadiga do sistema de democracia liberal, que não está ao nível dos cidadãos e decide mais em reacção aos mercados do que em função das necessidades e desejos das pessoas.

Com o grito de "democracia real"?

Sim. O movimento que pôs este sistema em causa não é realista - é radical, por isso pede "democracia real". Mas é um protesto visceral contra o domínio da política pela economia, numa sociedade em que crescem as desigualdades. O método tradicional, baseado no princípio de que os ricos pagariam impostos e que esse dinheiro seria redistribuído, quebrou-se.

Apesar de incluir pessoas de todas as idades, o movimento nasce dos jovens.

Sim e conseguiu chamar a atenção para este novo mundo, onde as novas gerações vão ter piores condições de vida do que as anteriores. Rompeu-se o pacto intergeracional, agora são os jovens que se vêem obrigados a pagar as dívidas dos mais velhos.

O 15M junta pessoas que não se revêem nos partidos. Alguns politólogos dizem que, até certo ponto, já mudou o discurso político. Concorda?

Creio que não. Influenciou pouco os partidos tradicionais. Em Novembro, a direita venceu as eleições com maioria absoluta e não quer saber do 15M. A Esquerda Unida tentou ganhar com os protestos, mas percebeu que não tinha capacidade para se infiltrar. A revolta foi dirigida contra os socialistas, contra um partido que se diz de esquerda e que se vendeu ao capitalismo, à realpolitik.

Não impuseram agenda?

Penso que não. O seu principal objectivo era provocar uma reforma da lei eleitoral. Introduziram o tema no debate político, mas sem consequências. Querem um sistema eleitoral proporcional, mas é preciso ter em conta que a proporcionalidade não chega, tem de ser articulada com a governabilidade. Em termos de justiça social, sim, conseguiram algo. Organizaram-se para evitar despejos, formaram redes locais de apoio.

Alguns activistas acreditam que o 15M pode forçar uma mudança nos partidos ou dar origem a um novo partido.

É muito difícil. É o ódio deste movimento às estruturas, às instituições, a sua recusa em ter caras, líderes, porta-vozes - rodam de forma sucessiva - que faz a sua força e a sua fraqueza. Nesta sociedade mediática, não dispor de pontos de referência, de rostos públicos, dificulta muito passar uma mensagem.

O aniversário e o protesto global de sábado podem revitalizar o movimento?

O que os beneficia, um ano depois, é a possibilidade de que muito mais gente se lhes junte. Há tantos espanhóis insatisfeitos. Esta vaga de descontentamento pode somar-se ao 15M e fazer dele um movimento mais amplo.

O aumento do desemprego e as políticas de austeridade fazem antecipar o aumento da contestação nas ruas?

Espanha demorou muito para sair à rua com esta crise. E o que surpreendeu com o 15M foi que apareceram nas Portas do Sol mais pessoas preocupados com a falta de democracia do que com o facto de não terem emprego. Não são os anti-sistema clássicos. É um movimento muito lúdico, com uma grande carga de celebração. Mas duvido que a base dê origem a uma estrutura geral. Uma coisa é que se consigam organizar por temas, questões como a da habitação, outra é que o todo se organize para agir e obrigar a agir.

Os espanhóis estão conformados com a crise?

O país está preparado para enfrentar sacrifícios. A questão é saber quantos e até quando.

São os jovens que estão a pagar o preço mais alto?

Creio que sim. Sobretudo porque esta é a geração mais bem preparada da história de Espanha. É triste ver tanta gente a sair em busca de oportunidades. Mas é o fracasso de uma sociedade, de um país. Se tivesse acontecido por outros factores, como uma guerra, mas não, aconteceu por erros, má gestão. Isso faz cair princípios morais básicos e dá ao 15M muita legitimidade no seu protesto.

A juventude espanhola está mais desiludida ou revoltada?

Não sabemos. A imensa maioria ainda não se manifestou. Não podemos falar dos jovens como um todo. A capacidade dos que se dizem indignados de chamarem outros vai depender de como saibam vender o seu movimento. Se criarem uma associação mais estável e organizada, se derem origem a um partido político... Aí é previsível que tenham muito apoio. Como aconteceu com o Partido Pirata, na Alemanha, um partido mais ou menos anti-sistema que aceita entrar no sistema para concorrer a eleições, e está com 13% nas sondagens.

Para influenciarem a política teriam de formar um partido?

Também é possível que formem uma coligação de movimentos, que é um pouco o que eles são mas de forma dispersa. Se se unirem numa estrutura a que chamem pelo menos associação, podem decidir apoiar um partido e influenciar a distribuição de votos. Mas isso implica um compromisso político que existe em alguns mas não existirá na maioria. Exige muito tempo, empenho. Sem o apoio das massas, nada de significativo se consegue. E as escolhas não são fáceis, se evoluírem nesse sentido também perdem algo, a natureza espontânea, aglutinadora. A sua força reside precisamente nestas contradições.

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