Jesus está seguro na Luz enquanto Vieira não sentir a presidência ameaçada

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Quando se discute o futuro de Jorge Jesus no comando técnico do Benfica, um interessante exercício mental é tentarmos vestir a pele de Luís Filipe Vieira. Até pela razão óbvia de que o presidente benfiquista não deixará de pesar bem qual a decisão que melhor servirá o futuro do clube. Mas também porque o líder do Benfica irá, garantidamente, ter em conta o facto de este ser um ano em que ele próprio terá de se sujeitar ao processo eleitoral no clube, previsto para Outubro. E Vieira quer continuar a ser presidente.

A entrevista que Jorge Jesus deu ontem ao jornal A Bola como que serviu para reforçar as informações de que a vontade actual de Vieira passa por manter Jorge Jesus. Isso percebe-se, desde logo, pela circunstância de a entrevista ter sido dada nas instalações do próprio Benfica. Mas também pela escolha criteriosa que o treinador fez das suas palavras, o que indicia um trabalho preparatório junto do director de comunicação, João Gabriel.

Isso transparece, por exemplo, na defesa cuidada que Jesus fez do próprio Luís Filipe Vieira. O técnico não se limitou a elogiar o trabalho do presidente do Benfica: rotulou de enorme injustiça as pinturas com frases irónicas e de contestação ao presidente que nos últimos tempos têm surgido nas imediações do Estádio da Luz (no último fim-de-semana, esta situação repetiu-se, mas no Estádio dos Arcos, em Vila do Conde, onde horas depois o Benfica perderia matematicamente o título para o FC Porto).

Importa fazer um parêntesis para analisar melhor o significado das pinturas contestatárias. São, arrisco dizê-lo, quase de certeza responsabilidade de um pequeno grupo ligado às claques benfiquistas. É evidente que a generalidade dos benfiquistas está descontente com o quinto campeonato perdido nos últimos seis anos para o FC Porto. E muitos deles até responsabilizarão Vieira pela situação. Mas não foram certamente esses que vilipendiaram e insultaram os dirigentes, os treinadores e os jogadores imediatamente após a vitória da Taça da Liga, em Coimbra. Por muito pouco valor que atribuíssem à taça conquistada, os adeptos normais jamais iriam escolher aquele momento de festa para contestar o presidente, o treinador e tudo o mais que lhes surgisse pela frente equipado de vermelho.

Mas, não tenhamos ilusões, é forte a possibilidade de aquela minoria contestatária estar a ser instrumentalizada e ao serviço de pessoas interessadas em desgastar a imagem de Vieira e/ou Jesus. As claques dos nossos principais clubes funcionam hoje em dia como braços armados de interesses mal confessados. Por vezes, há mesmo fortes indícios de existir uma acção concertada com altos responsáveis dos respectivos clubes.

Ora, é provável que esta estratégia de contestação a Vieira e a Jesus prossiga e alastre até ao final do campeonato. E isso é bem capaz de funcionar até a favor dos que são apoiantes de Vieira, mas que gostariam de o ver dispensar Jorge Jesus. Este é também o sentimento de alguns dirigentes, que não deixaram de pressionar o presidente alertando-o para o perigo de a sua reeleição poder ser prejudicada pela insistência num treinador em baixa de popularidade. Com a mudança estatutária que impede praticamente todos os seus potenciais rivais de se lhe apresentarem como alternativas, Vieira dificilmente terá a reeleição em perigo. Mas o actual presidente não quererá passar pelo mínimo risco de vexame...

Garantido é que as notícias que surgiram nos últimos dias dando conta de contactos com outros treinadores ou são falsas ou inexactas. Neste último grupo encontra-se a informação de que Vieira terá abordado Rui Faria, o braço-direito de José Mourinho. Por interposta pessoa, o contacto existiu de facto, mas foi já há algum tempo e não teve nada a ver com a recente perda da Liga para o FC Porto. E a hipótese morreu logo ali, até porque Rui Faria não mostrou vontade de se mudar para a Luz.

De então para cá, Vieira terá reforçado a opinião de que a melhor solução passa por manter o treinador durante o ano de contrato que lhe resta. Jesus ganha quatro milhões de euros brutos por ano e dispensá-lo antes do final do contrato teria sempre custos muito elevados.

Jorge Jesus está a terminar a terceira época na Luz e, desde 1973/74, o único treinador que permaneceu quatro anos no clube foi Jimmy Hagan. Mas o inglês tinha sido campeão nos três anos anteriores, enquanto Jesus só consegue juntar as três mal amadas taças da Liga ao título do primeiro ano.

Na hora de fazer contas à vida do treinador, Vieira também não terá deixado de avaliar a popularidade de Jesus no balneário. Fruto da sua personalidade impulsiva e egocêntrica, que o faz falar quase sempre na primeira pessoa, Jesus passa por ser um treinador de desgaste rápido na relação com os jogadores. Mas essa avaliação só pode ser feita por quem observa o dia-a-dia da equipa. E Vieira não terá deixado de avaliar as informações que lhe chegam de António Carraça, que não terão sido suficientemente negativas e de molde a travar, por si só, a continuidade do treinador.

Outro factor que Vieira terá levado em consideração é a certeza de que Jesus é um técnico de qualidade. Tem alguns defeitos, cometeu erros, o principal dos quais acabou por ser agora reconhecido pelo próprio Jesus, quando admitiu que, se fosse agora, "teria colocado menos ovos na Champions". Mas, tudo somado, resta a garantia de que sabe formar uma equipa competitiva, conquistar posições honrosas nas provas europeias e, nada despiciendo, valorizar os jogadores.

Claro que houve também que avaliar a vontade do próprio Jorge Jesus. Mas ele é agora claramente um treinador menos na moda do que era há dois anos, quando se afirmou como o criador do vendaval ofensivo que fez o Benfica ganhar o campeonato. E, até porque já não há assim tantos clubes europeus que lhe paguem o que ganha na Luz, importa a Jesus arriscar mais um ano num clube que lhe pode dar mais currículo.

Nesse sentido, Jesus pode não ter medido bem as implicações da frase que deu origem à manchete de A Bola ("FC Porto? Quem chega ao topo não quer andar para trás"). Teria talvez sido mais sensato se se tivesse limitado a afirmar que está no Benfica "de corpo e alma", nada interessado noutros projectos e que a única coisa que o motiva relativamente ao FC Porto "é ganhar-lhe". Mas, influenciado ou não, Jesus não resistiu a acrescentar algo que a única coisa que verdadeiramente lhe garante é a animosidade dos adeptos do FC Porto. E a quase certeza de que não fará parte de uma eventual lista de substitutos de Vítor Pereira. Ora, se havia também algo que dava força à posição de Jesus na Luz era o medo que o presidente benfiquista tinha de ver o seu actual treinador mudar-se para o Dragão. Jesus deitou assim ao lixo uma carta que já lhe tinha valido uma renovação de contrato milionária...

bprata@publico.pt
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