Exposição sobre chá de São Miguel mostra cultura centenária

A introdução desta cultura aconteceu há 130 anos. O Museu Carlos Machado apresenta peças nunca antes vistas em público

No dia 5 de Março de 1878 chegaram a São Miguel Lau-a-Pan e Lau-a-Teng. Eram operários chineses especializados na cultura e preparação do chá, contratados pela Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM) para introduzir aquela cultura na ilha.

Durante o tempo que estiveram em São Miguel - regressaram à China em Julho de 1879 - foram alvo de uma grande curiosidade por parte dos micaelenses e a imprensa local multiplicou-se em notícias e reportagens sobre os seus hábitos, práticas e cultura. Mas o mais importante da sua presença foi o trabalho desenvolvido na manipulação do chá, decisivo para a introdução na ilha de uma actividade económica que, com altos e baixos, se mantém até aos nossos dias. São Miguel é mesmo a única região da Europa onde se produz chá.

Estes são alguns dos aspectos tratados na exposição Chá em São Miguel. Cultura e Vivências (pode ser visitada até 22 de Julho), realizada pelo Museu Carlos Machado (Ponta Delgada), em parceria com a Confraria do Chá Porto Formoso e o Instituto Cultural de Ponta Delgada.

A decisão de realizar esta mostra, a primeira nos Açores sobre esta cultura centenária com inúmeras peças nunca mostradas em público, foi tomada em Janeiro deste ano. O tempo disponível para fazer o roteiro da exposição, contactar coleccionadores e seleccionar peças "foi curto", disse ao PÚBLICO Pedro Pascoal de Melo, um dos dois comissários (o outro foi Sílvia Fonseca e Sousa). Mas a disponibilidade manifestada por todos os intervenientes acabou por facilitar o trabalho. "Sem o empenho, envolvimento e entusiasmo das antigas famílias produtoras de chá, a exposição não seria possível", admitem os dois organizadores.

A exposição estrutura-se em dois planos: a cultura e produção de chá, tratadas através de documentos relativos à introdução da planta na ilha, fotos da produção, maquinaria, sementes, etc; e o consumo da bebida e as práticas sociais a ele associado, merecendo destaque os serviços de chá de diversas épocas patentes na mostra. Um documentário de Teresa Nóbrega (RTP Açores) sobre o ciclo do chá e as condições de trabalho é exibido em permanência.

A planta do chá já era conhecida na região açoriana desde o início do século XVIII, onde rapidamente se adaptou às condições do solo insular. Fizeram-se várias plantações com sucesso, mas subsistia um problema básico que ninguém conseguiu resolver localmente: como fazer o chá?

Foi para ultrapassar esta dificuldade que a SPAM resolveu avançar para a contratação de um preparador. A escolha recaiu sobre Macau e em 13 de Novembro de 1877 era assinado contrato com os dois chineses pelo prazo de um ano.

O trabalho dos orientais seria posto à prova em 22 de Novembro de 1878, quando o primeiro chá micaelense foi servido aos sócios daquela sociedade sem saberem da sua proveniência. Não houve reclamações.

A partir de 1879 a área dedicada ao cultivo expandiu-se consideravelmente e no início do século XX estavam afectos à plantação de chá 4535 hectares (48 proprietários), sobretudo na costa norte de São Miguel.

O proteccionismo estatal ao chá proveniente dos territórios portugueses em África foi responsável pelo encerramento sucessivo de fábricas durante os anos 1950-60. No final do século XX só continuava aberta a fábrica do chá Gorreana. Este e o chá Porto Formoso são os únicos hoje produzidos, no essencial destinados ao mercado local.

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