Charles Taylor condenado por crimes de guerra cometidos na Serra Leoa

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Os rebeldes da RUF foram responsáveis pelas maiores atrocidades cometidas na Serra Leoa - e Taylor ajudou-os DR

Decisão histórica do Tribunal Especial para a Serra Leoa deu como provado que o antigo Presidente da Libéria prestou apoio "sustentado e significativo" aos rebeldes da Frente Revolucionária Unida

"Sr. Taylor, este tribunal considera-o unanimemente culpado de 11 acusações, incluindo terror, assassinatos, violações e recrutamento de crianças-soldados." Foi com estas palavras que o juiz Richard Lussik, que preside ao Tribunal Especial para a Serra Leoa, anunciou uma decisão histórica: Charles Taylor, antigo Presidente da Libéria, tornou-se ontem o primeiro ex-chefe do Estado a ser condenado por um tribunal internacional em quase 70 anos.

Os juízes responsáveis pelo julgamento - que decorre em Haia desde 2007 - consideraram Taylor, de 64 anos, culpado de instigar e participar nos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos na Serra Leoa pelos rebeldes da Frente Revolucionária Unida (RUF, na sigla em inglês) entre 1996 e 2002. Para encontrar registos de um caso semelhante, é preciso recuar até 1945, aos Julgamento de Nuremberga, quando Karl Dönitz, o almirante que assumiu a liderança da Alemanha nazi por um breve período, após o suicídio de Adolf Hitler, acabou por ser condenado a dez anos de prisão por crimes contra a paz.

Depois do veredicto de ontem, é preciso esperar por finais de Maio ou início de Junho para se conhecer a pena a que será condenado, e que Taylor cumprirá no Reino Unido. A única certeza é que não será condenado à morte ou a prisão perpétua, já que o tribunal especial não prevê a aplicação deste tipo de penas - até hoje, a sentença mais pesada foi aplicada a Issa Sesay, um dos mais altos responsáveis militares da RUF, condenado a 52 anos de prisão.

O sumário do julgamento salienta "o terror exercido sobre a população civil, incluindo a queima de habitações, assassinatos, violência sexual e física, recrutamento ilegal de crianças-soldados, sequestro, trabalho forçado e pilhagem". O juiz presidente relatou que mais de mil crianças viram as suas costas gravadas com as iniciais RUF e foram usadas para amputar membros de combatentes inimigos, garantir a segurança das minas de diamantes e caçar animais para alimentação dos rebeldes.

"O dia de hoje é dedicado ao povo da Serra Leoa, que sofreu horrores às mãos de Charles Taylor e dos seus intermediários", disse a procuradora Brenda Hollis, responsável pela acusação. Já o advogado de defesa, Courtenay Griffiths, afirmou que a acusação subornou algumas testemunhas e salientou a calma com que o antigo senhor da guerra da Libéria ouviu a decisão: "O sr. Taylor foi sempre um indivíduo estóico e continuou a demonstrar o seu estoicismo."

Entre os sobreviventes da guerra civil na Serra Leoa, o anúncio do veredicto foi um momento de celebração. Jusu Jarka, que perdeu ambos os braços no conflito armado, disse à Associated Press estar "muito feliz por se ter descoberto a verdade". A mesma agência deu conta de festejos na capital, Freetown.

A defesa baseou a sua estratégia na certeza de que Charles Taylor não só não esteve envolvido nas atrocidades cometidas como até desenvolveu esforços para apaziguar as facções em luta pelo poder. Esta alegação foi completamente rejeitada pelo tribunal, que acusou Taylor de fornecer apoio "sustentado e significativo" à Frente Revolucionária Unida, oferecendo armamento, munições, equipamento de comunicação e ajuda no planeamento de "inúmeras atrocidades", recebendo em troca os chamados "diamantes de sangue".

De canibal a Jesus Cristo

O antigo Presidente da Libéria é uma daquelas personagens que desafiam os limites da ficção com a simples realidade. Desde a acusação pelo Tribunal Especial para a Serra Leoa, em 2006, até à condenação de ontem, o mundo ficou a conhecer as várias faces de Charles McArthur Ghankay Taylor: foi acusado por uma testemunha de ter comido carne humana e de instigar o canibalismo entre os seus soldados, para aterrorizar os inimigos; protagonizou uma fuga de uma cadeia nos Estados Unidos; fez fortuna com os diamantes de sangue da Serra Leoa, extraídos por autênticos escravos; estudou no estado norte-americano do Massachusetts; recrutou crianças para matarem em seu nome; e, quando um dia foi questionado por um jornalista da revista BBC Focus on Africa sobre o que achava de ser considerado um "simples assassino", a resposta não podia ter sido mais reveladora da sua personalidade: "Jesus Cristo também foi acusado de ser um assassino na sua época."

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