As razões por que Mourinho e Ronaldo não se ficaram a rir de Guardiola e Messi

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A meio da tarde de quarta-feira, as leituras da generalidade dos especialistas ou dos simples adeptos anónimos iam no mesmo sentido: o domínio do Barcelona estava no fim, a lâmpada de Messi tinha perdido magia e José Mourinho ia acentuar a sua imagem de treinador recordista e perene, enquanto Cristiano Ronaldo estava mais próximo de voltar a tocar o céu e de recuperar o ceptro de melhor jogador planetário. Mas o futebol é bem menos fiável do que aquilo que as casas de apostas querem fazer crer e, poucas horas passadas, a realidade tinha-se transfigurado.

O Bayern Munique acabou por afastar o Real Madrid da final da Champions e, mais do que isso, conseguiu-o com inteira justeza e com uma postura franca que não teve nada a ver com o catenaccio (numa tradução livre, significa qualquer coisa como "porta trancada", em italiano) e com o cinismo que o Chelsea usou e abusou até à exaustão para deixar a Catalunha à beira de um ataque de nervos.

É sabido que a volatilidade do futebol acaba por ser uma das principais razões da sua popularidade. Há pouco tempo, o Benfica seguia com cinco pontos de vantagem no campeonato português. Hoje encontra-se quase desenganado, na segunda posição e já a quatro pontos (que representam cinco, em caso de empate pontual no fim) do líder e também pouco seguro FC Porto. Quando olhava para o retrovisor, o Real Madrid também chegou a ver o Barcelona a dez pontos de distância, mas a diferença acabou por mingar rápida e perigosamente para apenas quatro.

O problema do Real foi resolvido à custa de uma vitória meritória em Barcelona. Mas isso acabou por acentuar ainda mais o desgaste das principais unidades madridistas. Apesar de lidar com um plantel em que as figuras pagas a peso de ouro tropeçam umas nas outras no balneário, Mourinho quase não arriscou na rotação de jogadores. Ainda foi a tempo de recuperar a posição privilegiada no campeonato espanhol, até porque Guardiola lidava com um problema idêntico no Barcelona, com a agravante de ter arriscado num plantel demasiado reduzido, principalmente após a lesão grave que afectou Villa e a doença oncológica que afectou Abidal. A Guardiola resta agora tentar ganhar a Taça do Rei na final que irá travar com o Athletic Bilbao. Pior ainda ficou Jorge Jesus, cuja conquista da Taça da Liga não foi suficiente para evitar a contestação, mesmo entre aqueles que há bem pouco tempo o veneravam.

Ora, o que a final da Liga dos Campeões desta época veio provar é que o pecado da gula pode custar bem caro a quem não tem a possibilidade ou a sabedoria de rodar os craques nos períodos de maior desgaste. Jorge Jesus está entre os que não foram suficientemente cautelosos (desgastou quase todos os titulares na meia-final da Taça da Liga com o FC Porto, quando se aproximavam batalhas decisivas para a liga e para a Champions), mas Mourinho e Guardiola pagaram um calendário que lhes impôs um Barcelona-Real Madrid decisivo no meio de confrontos europeus não menos importantes. Mesmo assim, podiam ter tomado opções mais profilácticas, principalmente Mourinho, que tem mais jogadores de elite à sua disposição, enquanto Guardiola até arriscou em demasia em jogadores da cantera.

A prova de que não se trata de uma questão despicienda pode ser encontrada olhando para os exemplos do Bayern de Munique e do Chelsea. Com a Bundesliga perdida para o Borussia Dortmund, o clube alemão foi jogar no estádio do Werder Bremen sem oito dos habituais titulares. De início, alinharam apenas o guarda-redes Neur e os médios Gustavo e Schweinsteiger. Dias depois, o Bayern entrou claramente mais apto fisicamente e com uma intensidade de jogo superior à do Real Madrid.

Apesar de ainda lutar por uma vaga na Premier League que lhe garanta o acesso à Liga dos Campeões, o Chelsea também arriscou poupar sete jogares para o confronto com o Barcelona. Di Matteo só deu a titularidade ao guarda-redes Cech, aos centrais Terry e Cahill e ao médio Lampard no exigente jogou que travou no campo do Arsenal. A verdade é que o Barcelona surgiu mais apático do que é hábito, até porque não pôde contar com o poder desequilibrante de Messi, que não terá tido condições físicas para treinar nos dias anteriores.

A medíocre carreira que a ex-equipa de Villas Boas realizou na Premier League é bem capaz de ter contribuído para o sucesso na meia-final com o Barcelona. E não deixa de ser curioso que o milionário Roman Abramovich vá tentar pela segunda vez satisfazer o seu desejo de ver o Chelsea sagrar-se campeão europeu depois de ter voltado a despedir um treinador português a meio da época. A primeira vez tinha acontecido em 2008, quando se zangou com José Mourinho e decidiu substituí-lo pelo então quase anónimo Avram Grant. O Chelsea perdeu a final para o Manchester United, em Moscovo, nos penáltis, apesar de Ronaldo também ter falhado um...

A vitória sobre o Barcelona praticamente garantiu o título espanhol ao Real Madrid. O triunfo na Champions teria tornado a época inolvidável para os madridistas, mas, mesmo assim, Mourinho vai ganhar o braço-de-ferro que vem travando com Guardiola, pelo menos em termos mediáticos.

Até porque Mourinho ainda poderá vir a acrescentar à sua variada galeria de troféus outras minudências, como a de poder vir a ser o primeiro treinador a somar 100 pontos na liga espanhola (para isso, precisa de somar 12 pontos nos jogos frente ao Sevilha, Bilbao, Granada e Mallorca, o que lhe permitiria ultrapassar os 99 pontos do Barcelona de Guardiola em 2009/10). Recorde-se que o Real acaba de bater o recorde de golos (soma 107 tentos, mais dois do que o anterior recorde conseguido pelo galês John Toshack, também no comando do Real Madrid) e já igualou as 14 vitórias obtidas na qualidade de visitante por Guardiola nas temporadas de 2008/09 e 2009/10.

Da mesma forma, Cristiano Ronaldo está ainda na frente na lista de melhores marcadores da liga espanhola (tem mais um golo do que Messi) e pode ganhar a Bota de Ouro com o maior número de pontapés certeiros alguma vez conseguido por um premiado. A presença na final da Champions tê-lo-ia colocado numa posição de clara superioridade na corrida à Bola de Ouro que vai voltar a travar com Messi. Mas nada está perdido, até porque não terá termo de comparação no Europeu...

Mourinho e Ronaldo continuam a contribuir indubitavelmente como poucos para o amor-próprio dos portugueses, o que é ainda mais importante numa altura em que o nosso ego nacionalista anda tão afectado por matérias bem mais terrenas do que o futebol. Mas nem isso justifica a epidemia de disparates que se têm lido e ouvido nas mais diversas plataformas mediáticas, como se para exaltar os feitos do Real Madrid, de Mourinho e de Ronaldo fosse necessário, ao mesmo tempo, envilecer e maldizer o Barcelona e Messi.

É fácil encontrar portugueses que ainda há pouco tempo falavam como se fossem adeptos do Barcelona desde pequeninos e que agora, à custa do entusiasmo nacionalista criado pelo "Mou team", já defendem que as derrotas do Barça na liga espanhola e na Champions significam o fim de um ciclo. Um disparate. Um ano sem vitórias significativas não anula a capacidade nem os méritos de um treinador que foi capaz de reinventar um novo conceito de futebol. E se até os veteranos e aburguesados jogadores do Chelsea continuam a ser capazes de formar uma equipa com sete vidas, por que razão havia a melhor máquina de futebol que alguma vez se viu de ser dada como liquidada só porque teve uma má colheita?

A boa notícia para os que se deliciam com a qualidade do futebol do Barça é a eventualidade de os seus fracassos transitórios poderem contribuir para a renovação de um Guardiola que não quererá sair do clube com o selo de perdedor. E isso será também o garante da continuidade dos duelos com Mourinho...

bprata@publico.pt

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