Madrid suaviza discurso de represálias contra a Argentina pela nacionalização da YPF

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Foto: Marcos Brindicci/ Reuters (arquivo)

O Governo espanhol suavizou as críticas relativamente à decisão argentina de nacionalizar a YPF, filial da Repsol, optando por evitar a referência a “represálias” e preferindo agora que a condenação seja internacional, segundo fontes conhecedoras do processo.

Depois da dureza de há uma semana, em que considerou a decisão “hostil”, o Governo espanhol tem vindo a atenuar os comentários sobre uma decisão argentina que “não foi amistosa”.

A agenda centra-se agora em procurar manter a pressão em organismos internacionais, como a União Europeia, com Madrid a afirmar que expropriações são um instrumento legítimo dentro da soberania de qualquer país, mas que as leis e os acordos têm que ser respeitados.

Fontes conhecedores do processo chegam a referir-se a termos como “singularizar a Argentina como uma anomalia” nos fóruns internacionais, com Madrid a considerar que o impacto no país se fará sentir, a médio prazo, em termos de comércio e investimento.

Ainda que a decisão argentina tenha sido fortemente condenada, Madrid não concretizou – nem deverá concretizar, segundo fontes conhecedoras do processo – quaisquer medidas de represália e não antecipa medidas que afectem a população argentina.

Importações de biodiesel são única medida

Um eventual corte nas importações de biodiesel – com um impacto económico insignificante – é para já o único passo concreto dado por Madrid, apesar das muitas ameaças e dos repetidos anúncios de “medidas concretas”.

As mesas fontes dizem que querem “evitar uma cadeia de represálias” ou “políticas de megafone”, considerando que o caso é, possivelmente, a “gota de água” que acabou com a paciência de muitos parceiros internacionais descontentes com a forma como a Argentina tem actuado nos últimos anos.

Madrid nota, por exemplo, que nos últimos anos se acumularam várias queixas contra a Argentina, nomeadamente pelas suas leis sobre comércio externo, que estão a bloquear e a tornar cada vez mais difíceis as importações de vários países.

India, China, vários países da América Latina e da Europa e Estados Unidos, entre outros, denunciam pressão sobre os importadores, com referências a casos de intimidação.

Governo espanhol não consegue falar com o argentino

No caso da Repsol-YPF, um dos aspectos mais destacados para a diplomacia espanhola foi o facto de a Argentina ter levantado, nos últimos meses, um quase “muro de silêncio” face às repetidas tentativas do Governo espanhol discutir este assunto.

Presencialmente ou pelo telefone, incluindo através de gestões de vários ministros, o Governo espanhol não consegue debater com o Governo argentino há várias semanas, com a porta a fechar-se praticamente a todos os contactos.

Os únicos “compromissos” foram, teoricamente, alcançados numa reunião que o ministro da Industria espanhol manteve com o ministro do Planeamento e da Energia argentino – manter o diálogo e criar uma equipa de trabalho conjunta para analisar o assunto.

Mas o diálogo nunca existiu e Buenos Aires desmentiu publicamente ter havido qualquer acordo, algo que caiu particularmente mal à diplomacia espanhola.

Aspectos jurídicos em causa

Hoje, o Governo espanhol queixa-se de aspectos jurídicos do processo de nacionalização – a lei de privatização não foi respeitada porque obrigaria a uma OPA em cado de expropriação – e insiste que o Governo argentino, com uma golden share na YPF, sempre aprovou e saudou todas as medidas da empresa.

Rejeita por isso os argumentos de falta de investimento – afirma que duplicou nos últimos anos, muito acima dos resultados da empresa – e de interesse público, já que a nacionalização só abrangeu a YPF (quando há outras empresas privadas no sector) e, dentro da YPF, apenas as acções da Repsol.

Madrid recebeu até com particular desconforto o que diz ter sido a forma como os executivos espanhóis foram “corridos” dos seus escritórios na YPF, quando o decreto de expropriação nem estava sequer publicado no boletim oficial argentino.

E vai dando conta de que, depois de durante os últimos anos ter sempre validado as contas e a actuação da YPF, o Governo argentino começa agora a referir-se a alegadas más praticas ambientais como tentativa de evitar pagar o “preço justo” pelas acções que a Repsol controla.

Esta situação deixa antever longos e complexos processos nos tribunais de vários países, que arrastarão a polémica Repsol-YPF durante vários anos.

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