Câmara de Torres Novas lançou prémio que agora não consegue pagar

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Inês Brasão ganhou o prémio com um estudo sobre a exploração das criadas de servir durante o Estado Novo pedro cunha

Vencedoras continuam à espera de receber os dez mil euros previstos em regulamento de prémio com comparticipação comunitária. "É lamentável", diz investigadora que fez parte do júri

A Câmara de Torres Novas ainda não pagou os dez mil euros às vencedoras do Prémio Maria Lamas, lançado pela autarquia para distinguir estudos sobre a mulher e a igualdade. A iniciativa decorreu já no ano passado e contou com financiamento comunitário.

"Vamos pagar", assegura uma assessora de imprensa do município, Liliana Oliveira. Quando? A câmara não adianta uma data: "Depende da lei dos compromissos", que controla a execução orçamental na administração pública e apenas permite despesas quando houver receitas para as pagar. Segundo Liliana Oliveira, os dez mil euros não eram elegíveis para comparticipação do Quadro de Referência Estratégico Nacional, pelo que a única coisa que os fundos comunitários pagaram foi a publicitação da iniciativa.

Foi há já um ano que um júri composto por três doutoradas com experiência reconhecida neste campo de investigação resolveu atribuir o Prémio Maria Lamas a Inês Brasão pelo seu trabalho de doutoramento sobre as criadas de servir. Um estudo etnográfico sobre a prostituição de rua da psicóloga Alexandra Oliveira foi também distinguido com uma menção honrosa. Segundo o regulamento do prémio, em caso de atribuição de menção honrosa os dez mil euros serão divididos pelos dois premiados.

Como não tinha dinheiro, a câmara optou por não divulgar a decisão do júri, nem sequer junto das vencedoras. Meses depois, em Outubro passado, o presidente da autarquia, o socialista António Rodrigues, chegou a levar à reunião de câmara uma proposta para cancelar o prémio - que acabou, no entanto, por nem ser votada, graças aos protestos de um vereador comunista. "Não estamos em fase de prémios e devia-se ter cancelado há mais tempo para não criar expectativas", disse então o presidente da câmara, citado pela imprensa local. Trata-se da primeira edição do prémio, cujo objectivo era evocar Maria Lamas e perpetuar o seu testemunho de lutadora pelos direitos das mulheres portuguesas.

Contactada pelo PÚBLICO, Inês Brasão recusou-se a falar sobre o assunto. Já Alexandra Oliveira manifesta estranheza por, um ano depois, ainda não ter sido notificada da decisão do júri. A investigadora lamenta que a câmara não honre a memória da figura que se tinha proposto homenagear, Maria Lamas.

Liliana Oliveira assegura que já não faz parte das intenções da autarquia o cancelamento da entrega dos dez mil euros. Mas reconhece que o encargo "não está no topo da lista das despesas mais urgentes". A assessora de imprensa fala ainda no "mau estar" que tem causado na câmara "a pressão para que o prémio seja atribuído". Por parte de quem? "De um hipotético vencedor, que tem enviado emails anónimos. Isso deixa-nos desconfortáveis".

O júri não foi informado formalmente das razões da demora, conta a investigadora do Instituto Superior de Economia e Gestão Sara Falcão Casaca, que dele fez parte. "Se o prémio ainda não foi entregue, é lamentável", comenta. "Foram criadas expectativas aos concorrentes". Ao todo, foram submetidos a concurso 25 trabalhos.

O estudo de Inês Brasão relata as humilhações e a exploração a que eram sujeitas no Estado Novo as criadas para todo o serviço, mulheres vindas muitas vezes do campo para trabalhar na casa dos patrões. Para a investigadora do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, existe hoje um reavivamento das antigas formas de serviço doméstico. No lugar das antigas criadas da província estão agora as mulheres vindas dos países africanos ou do Leste da Europa, numa sociedade onde as funções ligadas à limpeza continuam no grau mais baixo da escala social.

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