O militar que simboliza a segurança e a reconciliação

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Matan Ruak com os tais tradicionais de Timor rodeado de apoiantes durante uma acção de campanha em Liquiçá VALENTINHO DE SOUSA/AFP

O seu nome de guerra significa "Dois Olhos Penetrantes". Militar das Falintil desde a invasão indonésia até agora, o novo Presidente representa para os timorenses a paz e as aspirações dos mais jovens. Por Paulo Moura

Se conseguiu reformar e unificar as Forças Armadas, conseguirá fazer o mesmo com o país. Esta é a fórmula de Taur Matan Ruak, e a maioria dos timorenses acreditou nela, porque o elegeu na segunda-feira para a Presidência da República com 61,23% dos votos, contra os 38,77% do seu opositor na segunda volta das eleições presidenciais, Francisco Guterres Lu Olo.

Num país jovem como Timor, que conseguiu a independência na guerra contra uma potência invasora, depois de se ter livrado da potência colonial, ser militar ainda é um trunfo de credibilidade.

Outros líderes do país, desde Xanana Gusmão, que foi Presidente e hoje é primeiro-ministro, até ao próprio Lu Olo, que liderou o Parlamento, vêm das fileiras das Falintil - Forças de Defesa de Timor Leste (F-FDTL). Mas despiram mais cedo a farda, para se dedicarem à política.

Taur Matan Ruak, de 56 anos, foi uma figura fundamental da resistência à ocupação indonésia, mas além disso manteve-se à frente das Forças Armadas até agora. Só pediu a demissão para se candidatar à Presidência.

Talvez por isso, angariou uma imagem de pureza em relação à corrupção com que os políticos têm sido conotados. Um dos principais argumentos dos seus opositores nestas eleições, aliás, foi o de ser apoiado pelo CNRT (Conselho Nacional de Reconstrução de Timor), o partido de Xanana Gusmão.

Já este ano, o Governo deste viu-se envolvido num escândalo de corrupção que levou à suspensão de funções da ministra da Justiça. Num processo relacionado com concursos públicos para a construção de conservatórias do Registo Civil em vários pontos do país, Lúcia Lobato foi acusada de corrupção, abuso de poder, falsificação de documentos e favorecimento ilícito.

Apesar de ter o apoio do chefe do Governo, Matan Ruak conseguiu evitar ser contaminado pela má reputação do Governo e dos políticos, muito por conta dos seus pergaminhos militares.

Apesar de as Forças Armadas terem estado no centro dos principais problemas do país dos últimos anos, Matan Ruak logrou emergir como a chave da sua solução. Designadamente na chamada crise dos peticionários, iniciada em 2006.

Foi a ele, Matan Ruak, em conjunto com o então Presidente da República, Xanana Gusmão, que centenas de militares dirigiram uma petição queixando-se de discriminação, no recrutamento, promoções e acções disciplinares nas Forças Armadas, de quem era oriundo da região ocidental do país.

Foi o início de uma longa e sangrenta crise. Em Março de 2006, cerca de 600 soldados pediram licença de fim-de-semana e não voltaram aos quartéis. Matan Ruak expulsou-os das Forças Armadas, com o apoio do então primeiro-ministro, Mario Alkatiri, e a reprovação do Presidente, Xanana Gusmão.

Os desertores passaram a constituir uma força rebelde que organizou ataques e matanças. Em Maio, o chefe da Polícia do Exército, major Alfredo Reinado, desertou com um grupo de soldados e polícias e um arsenal de armamento, instalando-se em Aileu. O período que se seguiu foi de extrema violência em Díli e em todo o território, levando o Governo a pedir ajuda internacional.

Forças de vários países (Portugal, Austrália, Nova Zelândia e Malásia) foram ajudar a restabelecer a ordem no país. Chegaram a prender Reinado, que no entanto acabaria por fugir. Em Fevereiro de 2008, atacou a residência do Presidente, José Ramos-Horta, que ficou gravemente ferido. No tiroteio, Reinado foi morto.

Depois disto, o Governo pediu o acantonamento dos peticionários, uma negociação e um inquérito à situação de discriminação. A crise tinha provocado 38 mortos, 69 feridos, 1650 casas destruídas e 150 mil deslocados internos. Na origem do problema teria estado o conflito entre as populações do Leste o do Oeste do país, que sempre fora ignorado ou negado.

A restruturação das Forças Armadas que se seguiu, com a ajuda da ONU e das forças internacionais, foi apoiada pelos representantes dos ex-peticionários. Matan Ruak surgiu como o herói dessa reforma, apesar de, no inquérito conduzido pela comissão da ONU, ter sido considerado culpado por ter distribuído armas a civis.

O mês passado, durante a campanha presidencial, mais de 200 ex-peticionários juntaram-se para manifestar o seu apoio ao candidato Matan Ruak. "Agora somos ex-militares. Portanto, temos de apoiar aqui o nosso comandante, que deixou a carreira militar para se candidatar à Presidência da República, e nós estamos prontos para ajudá-lo, apoiá-lo e ganhar as presidenciais", disse na altura à agência Lusa o representante do grupo, major Marques Tilman. Depois, os ex-rebeldes fizeram fila para dar um abraço ao ex-chefe das Forças Armadas.

Após esta cerimónia simbólica de reconciliação, Matan Ruak pode agora dizer que a segurança no país (de onde está previsto que as forças internacionais saiam ainda este ano) já não é um problema que o preocupe. Os desafios, agora, são a pobreza e o desemprego, disse ele pouco antes da eleição.

Taur Matan Ruak significa "dois olhos penetrantes" e é o nome de guerra de José Maria Vasconcelos. Tinha 19 anos quando, após a invasão indonésia, se refugiou nas montanhas com a recém-formada Falintil, a força armada da Fretilin. Tornou-se lendário por ter chefiado as tropas em batalhas bem-sucedidas em Díli, Aileu, Maubisse, Ossu, Venilale, Uatulari e Laga, onde instalaria a sua base.

Foi subindo na hierarquia, tornou-se comandante de companhia em 1979, após a morte em combate do comandante Nicolau Lobato. Pouco depois, em 31 de Março desse ano, durante uma missão de localização de sobreviventes em Viqueque, foi preso pelas forças indonésias. Vinte e três dias depois, fugiu.

Em 1981 foi nomeado vice-chefe de estado-maior das Falintil, e em 1986 era já o responsável por todas as operações militares da resistência no território. Depois da prisão de Xanana Gusmão, em 1992, foi promovido a chefe de Estado-Maior, depois da morte de Konis Santana, em 1998, a comandante das Falintil. Com a independência, em Maio de 2002, Matan Ruak foi nomeado Chefe de Estado Maior das Forças Armadas de Timor Leste.

Como presidente, Matan Ruak diz agora estar focado em dois objectivos: a prosperidade do país e a transição geracional. Durante a campanha, declarou várias vezes estar atento às aspirações dos jovens, que constituem a maioria da população do país e desejam voltar a página da História. Para ilustrar a necessidade de respeito pela opinião e sensibilidade dos jovens, Matan Ruak recordou, num dos comícios da campanha, que o seu pai era simpatizante da Apodeti, o partido que apoiava a ocupação indonésia. Mas mudou e passou a integrar a Fretilin, depois de ter visto os soldados indonésios espancarem o seu filho, devido à sua posição independentista.

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