Portugal é Lisboa e o resto é paisagem? A estatística diz que ainda é assim

Reitor da Universidade do Algarve e vice-reitor da Universidade do Minho olham para o Índice Global de Desenvolvimento Regional e não gostam do país desequilibrado que ele mostra

Mais do que uma dicotomia litoral-interior, outro aspecto chama logo a atenção no Índice Global de Desenvolvimento Regional (IGDR) que o Instituto Nacional de Estatística revelou esta semana: Lisboa é, nas 30 sub-regiões em que o país está dividido, a única que consegue resultados acima da média nas três grandes componentes deste índice - Competitividade, Coesão e Qualidade Ambiental. E isto é um sinal de "desequilíbrio" regional, notam dois académicos a quem o PÚBLICO pediu que comentassem o resultado da conjugação dos mais de 65 indicadores que, desde 2006, o INE transforma num retrato do país em que vivemos.

Este retrato é de 2009, ano para o qual estão disponíveis estatísticas sobre todos os indicadores usados para construir os índices de Coesão, Competitividade e Qualidade Ambiental, que, conjugados, dão origem ao IGDR. E se 2009 parece longe, tendo em conta tudo o que país já passou entretanto, a imagem que nos é dada não parece afastar-se muito da realidade actual, acreditam o geógrafo e reitor da Universidade do Algarve (UA), João Guerreiro, e o vice-reitor da Universidade do Minho (UM), José Mendes. Que até antecipam que, nalgumas situações, os desequilíbrios se alargaram nos últimos dois anos (ver texto ao lado).

Mas que desequilíbrios são estes? Mendes e Guerreiro põem a tónica na competitividade. "Apesar de toda a infra-estruturação que se fez no país, a lógica das actividades económicas dita uma aproximação às zonas já de si mais competitivas, onde estão a mão-de-obra e o mercado", assinala o reitor da UA, que, neste aspecto, mais do que adivinhar a atracção de Lisboa, se espantou com os resultados obtidos pelas regiões em torno de Aveiro (Baixo Vouga) e Braga (Cávado), que, com o Entre Douro e Vouga (região entre Aveiro e o Porto), são as únicas NUT III (sub-regiões estatísticas) que olham para Lisboa acima da linha média do país.

João Guerreiro chega a afirmar que Braga e Aveiro parecem afirmar-se como "cidades de futuro" no país. A falar a partir de Braga, onde vive, José Mendes concorda com esta leitura. Mas acredita que, para a afirmação destas e de outras cidades, será necessário esbater a "macrocefalia" de Lisboa. "Se olharmos para os valores de cada sub-região, as disparidades litoral-interior, dicotomia de que tanto se fala, são menores do que as disparidades entre o Litoral Norte e a a região em torno de Lisboa", nota este académico ligado aos temas do planeamento urbano que, recentemente, lançou o Livro O Futuro das Cidades.

É ao futuro que aproveita este olhar sobre o passado. E o que ele nos diz, por exemplo, é que a correlação entre preservação do ambiente e desenvolvimento económico é negativa. As regiões com menos pressão humana - as mais despovoadas - continuam, ano após ano, a ser as que obtêm melhores resultados no índice da qualidade ambiental, cujo ranking é praticamente o inverso do da competividade. Ou seja, as riquezas naturais não estão a ter uma tradução económica que consiga alterar a posição relativa de cada NUT III no retrato global. No entanto, o pior desempenho no índice de qualidade ambiental impede, por exemplo, o Grande Porto de surgir entre o grupo restrito dos que estão acima da média no índice global.

A (má) surpresa do Algarve

Com resultados abaixo dos cem pontos na Competitividade, na Coesão e na Qualidade Ambiental, o Algarve surge, a par do Alentejo Litoral e da Região Autónoma dos Açores, noutro grupo restrito, o dos que estão abaixo da média nos três índices que formam o IGDR. Desafiado a explicar este desempenho da região onde trabalha, o reitor da UA admite que ficou inicialmente surpreendido, mas nota que, depois de perceber que indicadores relativos ao ordenamento do território entram no índice da Qualidade Ambiental, o resultado para esta componente não podia ser outro.

A surpresa maior, tendo em conta que, em indicadores como o PIB per capita, o Algarve surge acima da média nacional, é na componente competividade. João Guerreiro lembra que a região está demasiado dependente de um sector, o turismo, sujeito a forte sazonalidade e que compete com outros destinos próximos na orla do Mediterrâneo. E ainda por cima, vinca, não conseguiu atrair sedes dos grandes grupos hoteleiros instalados, o que, estatisticamente, e não só, desvia parte da riqueza aqui criada para outros destinos.

"Se eu for estrangeiro e quiser abrir uma empresa em Portugal, para onde sou atraído?", secunda-o José Mendes, lembrando que, no poder de compra, Lisboa quase consegue o triplo da média do país.

"É uma singularidade que esta seja a única região, em todo o país, que está acima da média nos três índices que compõem o índice global", assinala o vice-reitor da UM, preocupado com o facto de, no caso da competitividade, apenas quatro sub-regiões - com Lisboa a destacar-se, de longe, de Grande Porto, Baixo Vouga e Entre Douro e Vouga - conseguirem ultrapassar a média. E esta média do país, repara, já é muito "esticada" pelo desempenho da capital. Para João Guerreiro, o facto de nessas quatro áreas se juntar cerca de 40% da população do país explica por que são para aí atraídas as principais actividades económicas. Ainda assim, José Mendes considera que o défice de competitividade do eixo Aveiro-Porto-Braga face ao eixo Lisboa-Setúbal é "o maior problema".

"Dada a exiguidade do mercado interno", a economia portuguesa só é viável se o peso de exportações no PIB se aproximar dos 40% e, numa segunda fase, mesmo dos 50%, diz o vice-reitor da UM. "Ora está demonstrado que a vocação exportadora se concentra no Norte, a única região com saldo positivo na balança comercial, pelo que é crítico ultrapassar este défice de competitividade", argumenta, defendendo, por isso, que é para esta zona do país que se devem apontar as políticas públicas de promoção dos factores de competitividade". Mas, para tal, afirma, seria necessário que os decisores políticos prestassem atenção ao retrato produzido pelo INE.

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